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14 October 2025

Decreto regulamenta Lei de pesquisa com seres humanos

Medida pode influenciar o julgamento da ADI 7.875 e traz novas diretrizes sobre ética e fornecimento pós-estudo em pesquisas clínicas.
Brazil Government, Public Sector
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Medida pode influenciar o julgamento da ADI 7.875 e traz novas diretrizes sobre ética e fornecimento pós-estudo em pesquisas clínicas.

Na última quarta-feira, 08/10, foi publicado no Diário Oficial da União, o Decreto nº 12.651/2025, que regulamenta a Lei nº 14.874/2024, a qual dispõe sobre a pesquisa com seres humanos e institui o Sistema Nacional de Ética em Pesquisa com Seres Humanos.

A publicação possui especial relevância, pois se mostra como uma resposta direta do Poder Executivo à Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 7.875 (ADI 7875) ajuizada em 16/09 pela Sociedade Brasileira de Bioética (SBB) perante o STF, com o objetivo de declarar a inconstitucionalidade da referida lei.

Em 26/09, foi proferido despacho pelo Relator do processo, Ministro Cristiano Zanin, requisitando a manifestação do Congresso Nacional, da Presidência da República e de entidades relevantes, concedendo prazo de 10 dias. O despacho determinou a aplicação do rito abreviado do art. 12 da Lei nº 9.868/1999, o que permite o julgamento do mérito diretamente pelo Plenário do STF.

A seguir, apresentamos uma análise comparativa entre os principais argumentos abordados pela SBB na ADI 7875 e o conteúdo do Decreto nº 12.651/2025:

ADI Decreto
1. Vício formal de iniciativa: a Lei, de origem parlamentar, criaria e organizaria o órgão da Administração Federal ("Instância Nacional de Ética em Pesquisa" no âmbito do Ministério da Saúde), matéria de iniciativa privativa do Presidente da República (art. 61, §1º, II, "b" e "e", CF). Ausência de conflito e regulamentação: embora haja possível vício formal na criação da Instância Nacional de Ética em Pesquisa, o Decreto ratifica a estrutura legal, confirmando a composição do Sistema, atribuindo sua organização ao Ministério da Saúde e definindo as competências da Instância Nacional.
2. Retrocesso social e violação a direito fundamental: as regras de acesso pós‑estudo da lei (arts. 30 a 37) restringiriam a continuidade do tratamento de participantes, reduzindo o patamar protetivo vigente sob a Resolução CNS nº 466/2012, que determinava ao patrocinador a obrigação de fornecimento pós-estudo gratuito e por tempo indeterminado ao participante de pesquisa, e contrariando a CF (arts. 6º e 196) e princípios de progressividade dos direitos sociais previstos em tratados internacionais. Proteção do participante da pesquisa: o Decreto diverge da Lei de Pesquisa com Seres Humanos, que prevê a continuidade do fornecimento de tratamentos experimentais por prazo determinado (art. 30, §2º). Ao adotar linguagem mais subjetiva, determinando que o patrocinador garanta o fornecimento gratuito do produto quando este for considerado a melhor alternativa terapêutica (art. 31, caput), o texto se aproxima da Resolução CNS nº 466/2012. A diferença entre as normas levanta dúvidas sobre sua compatibilidade e pode abrir espaço para ações judiciais contra patrocinadores após o fim do programa de pós-estudo, a depender da interpretação sobre a hierarquia normativa.
3. Ônus financeiro ao SUS sem estimativa orçamentária: transferência de custos de tratamento pós‑estudo e indenizações ao SUS e instituições públicas (p.ex., arts. 26, §3º, e 33, VII), sem estimativa de impacto orçamentário‑financeiro, em afronta ao art. 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT). Previsão de organização orçamentária: O decreto prevê que o Ministério da Saúde garantirá os meios necessários ao funcionamento da Instância Nacional de Ética em Pesquisa, inclusive quanto a dotação orçamentária, recursos humanos e infraestrutura tecnológica (art. 11).
4. Violação à autonomia e consentimento informado: o art. 18, § 6º permitiria a inclusão de participantes em emergências sem consentimento prévio, ferindo a autonomia, consentimento informado e a dignidade humana do paciente, em descompasso com a jurisprudência do STF (Tema 1.069 de RG). O Decreto não apresenta dispositivo correspondente sobre o tema.
5. Restrição à participação social: ausência de controle social efetivo na governança da ética em pesquisa, em colisão com o art. 198, III, da CF. Participação social de especialistas: O decreto estabelece que a Instância Nacional de Ética em Pesquisa será composta por 33 representantes, sendo destes, 15 especialistas, com notório saber e atuação relevante na área de ética em pesquisa com seres humanos, e aprovados através de processo seletivo público.
6. Incompatibilidade com temas de repercussão geral: as restrições ao fornecimento pós‑estudo seriam incompatíveis com a racionalidade dos Temas 6 e 1.234 de Repercussão Geral, fomentando a judicialização, sem garantia de tutela. Embora o Decreto não trate expressamente do tema, há relação com o item 2. A divergência entre o Decreto e a Lei pode permitir, em tese, ações contra o patrocinador para continuidade do tratamento após o prazo previsto, o que, apesar de incentivar a judicialização, afastaria demandas contra entes públicos.

Informação complementar

O art. 28 do Decreto estabelece-se que a análise dos pedidos de autorização para a condução de pesquisas clínicas poderá ser realizada por procedimento integrado de avaliação ética e sanitária, pela Instância Nacional de Ética em Pesquisa e pela Anvisa. Isso evita a necessidade de processos separados, promovendo maior eficiência.

Considerações Finais

Recomenda-se especial atenção da indústria farmacêutica, principalmente das empresas voltadas a medicamentos para doenças raras, à referida ADI, considerando que eventual decisão no processo poderá acarretar possíveis impactos às regras de fornecimento pós-estudo previstas na lei, tema sensível ao setor.

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