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Nos últimos 20 anos, a arbitragem se consolidou como
pilar da segurança jurídica para a
resolução de disputas em concessões e PPP
(parcerias público-privadas) no Brasil. No entanto, o tempo
médio de duração dos procedimentos arbitrais,
notadamente em função de perícias complexas e
bastante longas, colocam um desafio para que a arbitragem
também seja um método eficiente de
resolução de disputas para o setor de infraestrutura.
Este artigo traça algumas ideias de como as partes podem
explorar os mecanismos próprios da arbitragem para atribuir
maior eficiência aos procedimentos e, ao mesmo tempo,
preservar o ambiente de cooperação necessários
para a boa execução de contratos de longo
prazo.
A Lei 9.307/1996 instituiu o marco legal da arbitragem no
País, ao prever que litígios relativos a direitos
patrimoniais disponíveis poderiam ser resolvidos por
árbitros escolhidos pelas partes, com a mesma força
de uma sentença judicial. A partir daí, o movimento
de consolidação da arbitragem em disputas envolvendo
contratos de infraestrutura foi gradual. Vieram as previsões
setoriais, como a Lei do Petróleo (1997) e a Lei dos
Transportes (2001), que passaram a incluir a arbitragem como
cláusula essencial dos contratos. Depois, a Lei das PPPs
(Lei 11.079/2004) referendou a previsão de cláusula
arbitral em contratos de concessão patrocinada e
administrativa. Um novo salto ocorreu com a reforma da Lei de
Arbitragem em 2015 (Lei 13.129/2015), que reiterou a possibilidade
de a Administração Pública recorrer à
arbitragem para resolução de disputas envolvendo
direitos patrimoniais e disponíveis. Por fim, a Lei
13.448/2017 e o Decreto 10.025/2019 consolidaram especificamente a
arbitrabilidade de matérias sensíveis em contratos de
concessão, como o reequilíbrio
econômico-financeiro, as indenizações por
investimentos não amortizados e a aplicação de
penalidades.
A grande virtude da arbitragem no contexto da infraestrutura
é permitir que disputas sejam decididas por árbitros
com profundo conhecimento em concessões, PPPs e
regulação setorial, escolhidos livremente pelas
partes, o que reforça a confiança na imparcialidade e
na qualidade técnica das decisões. Esse arranjo
garante que a análise seja conduzida por profissionais aptos
a se debruçarem sobre a alocação de riscos
contratual, o arcabouço regulatório e a realidade
econômico-financeira dos projetos. A possibilidade de escolha
de árbitros experientes e altamente especializados cria
expectativa legítima de que as decisões arbitrais
observem com rigor as matrizes de risco contratuais, as normas
setoriais aplicáveis e a dinâmica complexa das
concessões. Esse desenho tende a conferir maior
consistência técnica e previsibilidade às
decisões, fatores decisivos para ampliar a confiança
dos investidores.
Outro conceito-chave para a segurança jurídica do
instituto é o princípio da
competência-competência. Em termos práticos,
esse princípio significa que discussões preliminares
-- como alegações de que a matéria não
seria arbitrável ou de que a cláusula
compromissória seria nula -- devem ser apreciadas primeiro
pelos árbitros, e não pelo Judiciário. Essa
lógica reduz a chamada “judicialização
de preliminares”, ou seja, a tentativa de alongar o
procedimento por meio de disputas sobre a própria
jurisdição do tribunal arbitral. O Superior Tribunal
de Justiça vem aplicando esse entendimento com
consistência, o que amplia a previsibilidade quanto ao
emprego da arbitragem em contratos de infraestrutura.
Vale destacar também a dimensão setorial. No
saneamento, em especial, a arbitragem ganha importância
redobrada. Trata-se de um setor em que o poder concedente e o
regulador, muitas vezes municipais, estão sujeitos a
pressões políticas locais e, em certos casos, a
capturas regulatórias. A arbitragem tende a mitigar essas
distorções porque transfere a decisão para
árbitros independentes, escolhidos por sua experiência
técnica, que não estão sujeitos às
mesmas influências locais.
Além disso, os precedentes atuais reforçam a plena
eficácia da convenção arbitral em
matéria de concessão de serviço
público. Em decisão paradigmática no setor de
rodovias, o Tribunal Arbitral reconheceu a legitimidade da retomada
do serviço pelo poder concedente, mas determinou que o
concessionário fosse indenizado pelos investimentos
não amortizados durante a vigência da
concessão. O ressarcimento foi assegurado porque se
demonstrou que o valor dos investimentos superava eventuais
débitos decorrentes do inadimplemento que levou à
caducidade. O caso ilustra como a arbitragem pode equilibrar a
preservação do interesse público –
continuidade e retomada do serviço – com a garantia de
tratamento justo ao investidor.
Em síntese, a arbitragem se tornou mecanismo institucional
indispensável para a estabilidade dos contratos de
infraestrutura. Ao combinar técnica, previsibilidade e um
foro independente, menos sujeito a fatores locais, ela
reforça a confiança de investidores nacionais e
estrangeiros. A arbitragem passou a funcionar como um pilar de
governança regulatória e contratual, capaz de
assegurar que disputas sobre equilíbrio
econômico-financeiro sejam tratadas com racionalidade
técnica. A previsão de cláusulas arbitrais em
concessões e PPPs se tornou um standard mínimo de
segurança jurídica para investidores.
Por outro lado, a expectativa de celeridade da arbitragem precisa
ser encarada com realismo. Já não se sustenta a
premissa de que todo procedimento se encerra em dois anos. A
experiência em concessões rodoviárias federais
revela que sentenças parciais costumam levar de 24 a 26
meses, e a conclusão do procedimento em alguns casos pode
levar mais de cinco anos. Apesar disso, os prazos continuam mais
compatíveis com a lógica econômica dos
contratos do que aqueles verificados no Judiciário e a
arbitragem coloca à disposição das partes
mecanismos importantes que, se bem explorados, podem contribuir com
procedimentos mais céleres e eficientes.
A experiência demonstra que a instauração da
arbitragem, com a formação do tribunal arbitral,
é um procedimento demorado, que pode levar alguns meses.
Antes disso, as partes têm à sua
disposição a possibilidade de se socorrerem de
medidas de urgência a serem obtidas no foro judicial eleito
no contrato de concessão que, geralmente, é o foro da
sede do Poder Concedente. As principais câmaras arbitrais,
contundo, colocam à disposição das partes a
figura dos árbitros de emergência. O árbitro de
emergência é indicado pela própria câmara
arbitral, instituição nomeada na cláusula
compromissória para administrar a arbitragem, para decidir
medidas liminares requerida por uma das partes antes da
instalação do tribunal arbitral, mas que sejam
necessárias para preservar direitos ou assegurar o resultado
útil do procedimento arbitral. Essa figura pode servir como
alternativa ao foro judicial para obtenção de
cautelares pré-arbitrais, a depender da
redação do contrato e do regulamento da câmara
selecionada. A utilização estratégica desse
mecanismo pode ser um fator importante para destravar um impasse na
administração do contrato e que pode contribuir com
uma solução, ainda que parcial, da
controvérsia.
Outro elemento relevante da arbitragem é a possibilidade de
bifurcação do procedimento, em que o tribunal decide
em momento inicial apenas sobre a existência do direito, ou
do desequilíbrio econômico-financeiro, e deixa a
quantificação para fase posterior. Essa
dinâmica cria pontos de inflexão no procedimento: uma
vez conhecida a posição do tribunal sobre o
mérito da disputa, a partir de sentença parcial, as
partes tendem a buscar acordos e composições, o que
tende a acelerar a solução do conflito.
Outro diferencial da arbitragem determinante tanto para sua
eficiência quanto para a obtenção de
decisões tecnicamente consistentes é a forma de
produção de prova. No Judiciário, prevalece a
figura do perito único, nomeado pelo juiz, cujo laudo muitas
vezes tem influência decisiva sobre o desfecho do processo.
Na arbitragem, as partes podem indicar assistentes técnicos,
apresentar pareceres contrapostos e submetê-los a
“hot-tubbing” ou inquirição conjunta em
audiência. Essa dinâmica permite maior controle das
partes sobre o processo probatório, o que é crucial
em litígios que envolvem regulação
econômica e cálculos complexos de
reequilíbrio.
Celeridade e previsibilidade, contudo, dependem muitas vezes da
postura adotada pelas partes no procedimento arbitral. Em um
ambiente em que a combatividade na defesa de interesses é
inerente, é fundamental que as partes e seus representantes
atuem de forma a preservar o ambiente de cooperação
que é pressuposto e necessário em contratos de longo
prazo que viabilizam a prestação de serviços
públicos essenciais. E a arbitragem é um
método de resolução de disputas que conta com
a constante interação entre os advogados das partes
para o bom andamento do procedimento arbitral. Desde a
indicação dos árbitros, passando pela
elaboração do termo arbitral e
definição das regras e cronogramas do procedimento,
até o desenho do método de produção de
provas, a forma como os representantes das partes atuam e interagem
e conhecimento das especificidades inerentes aos procedimentos
arbitrais são fatores determinantes para o desenvolvimento
eficaz do procedimento. A combatividade na defesa dos interesses
não pode ser confundida com a a interdição do
diálogo necessário para que a solução
da disputa chegue a bom termo.
No que se refere à arbitragem nos contratos de
concessão, a boa notícia é que a
discussão não gira mais em torno da sua
admissibilidade ou segurança jurídica da arbitragem,
mas da sua eficiência e das formas de aprimorá-la. O
desafio está em tornar os procedimentos mais céleres
e previsíveis. E para superação desse desafio,
a maneira como as partes e seus representantes atuam na arbitragem
é fator determinante. A utilização da
arbitragem nos contratos de concessão pública
não deve ser vista como uma declaração de
guerra entre partes que ainda se relacionarão por anos ou
décadas na prestação de serviços
públicos essenciais, mas sim como mais um mecanismo para
resolver controvérsias que as partes não conseguiram
solucionar sem ajuda de terceiros, mas que para boa
solução a cooperação ainda é
fator determinante.
Originally published by GRI Hub News.
The content of this article is intended to provide a general guide to the subject matter. Specialist advice should be sought about your specific circumstances.