As condições nunca estiveram tão boas. Política de juros favorável, inflação aparentemente domada e agenda de reformas em curso, exatamente como o mercado queria. Embora o sol ainda não brilhe, o horizonte pelo menos parece mais azul para a hotelaria, que dá sinais mais consistentes de recuperação após um longo e intenso período de trovoadas. É com esse pano de fundo que a indústria hoteleira encerra 2019, abrindo o ano vindouro com mais otimismo e visando não somente à expansão da lucratividade, mas também à elevação da sua atratividade perante os investidores. 

O último ponto é realmente importante, porque a melhora do cenário econômico favorece o mercado imobiliário como um todo. E, nessa corrida para atração de recursos, a competição não é fácil (nunca foi, na verdade) para hotelaria, com produtos residenciais no foco das incorporadoras em função da alta liquidez e da melhora nas condições de acesso ao crédito imobiliário. Dados da CBIC (Câmara Brasileira da Indústria da Construção) reiteram esse momento: o número de lançamentos no país subiu 23,9% no terceiro trimestre frente igual período de 2018, somando 33.199 unidades. Já as vendas cresceram 15,4% na mesma base de comparação.

Segundo as fontes ouvidas pela reportagem, competir com o segmento residencial obviamente não é uma possibilidade real para a hotelaria, mas há oportunidades para todos os produtos em meio a esse cenário de retomada. Neste contexto, a chave para o aumento da atratividade da indústria hoteleira passa pela melhora nos indicadores de performance, em especial da diária média, que está bastante depreciada se comparada ao período pré-crise. Recuperando as margens, portanto, o setor volta ao radar dos investidores com mais força.

Dados do FOHB (Fórum de Operadores Hoteleiros do Brasil) indicam que o setor já iniciou esse movimento. No acumulado de janeiro a outubro, por exemplo, a diária média apresenta alta de 6,9% em relação a igual período de 2018, com algumas praças desempenhando melhor do que as outras, caso emblemático da capital paulista (+12,3%). A missão para 2020, na visão das fontes ouvidas, é acelerar esse processo. 

“O cenário de inflação e juros baixos traz mais otimismo e cria um ambiente de negócios mais favorável, já que tira a atratividade da renda fixa e fazem os investidores buscar produtos com maior rentabilidade. Agora, tudo passa pelo crescimento mais sustentável do PIB (Produto Interno Bruto)”, avalia Gilberto Martins, Head do departamento de Hotéis da CBRE, consultoria especializada na locação e gestão de imóveis.  

Embora ressalte que muita coisa ainda necessite ser feita no ambiente de negócios do país, Martins vê bons sinais vindos de Brasília. “Há certo recuo da participação do Estado no crescimento da economia real, eixo que se desloca para a iniciativa privada, o que é positivo. Então, mesmo que ainda baixo, o PIB parece expandir de forma mais sustentável do que no passado”, avalia. “Ainda assim, é preciso continuar a agenda de reformas e conduzi-las de forma ambiciosa para criar um ambiente mais atrativo e seguro para os investimentos de longo prazo, caso dos hotéis”, completa.

CEO da BHG (Brazilian Hospitality Group), Alexandre Solleiro faz análise similar e diz que, confirmando a retomada sustentável da economia, será natural o aumento de apetite dos investidores pela hotelaria. “A economia crescendo, as pessoas vão viajar mais, com expansão tanto no turismo de lazer, quanto corporativo. Isso vai acelerar a recuperação de tarifa e a rentabilidade dos hotéis”, comenta. “Não podemos esquecer que muitas cidades brasileiras têm déficit de quartos”, acrescenta Solleiro, que ainda assim não se arrisca a apontar praças com melhores perspectivas de expansão da oferta hoteleira.

“Há cidades ainda em dificuldade, como o Rio de Janeiro, algumas delas com sobreoferta, o que eleva de forma considerável o risco. Já São Paulo tem grande inventário, mas há fôlego para crescer. O mais importante é que, em caso de retomada mais robusta, não se repitam os excessos do passado”, diz Solleiro, fazendo referência à explosão de flats. “Um alento é que noto os investidores muito mais racionais em suas decisões de investimento após tudo o que aconteceu”, completa.

Hotelaria e o cenário para 2020

Em uma análise sobre a atratividade do mercado no curto prazo diante desse novo cenário, Ricardo Mader, diretor de Hotéis e Hospitalidade da JLL, podera que é importante avaliar dois cenários nesse debate: hotéis existentes e novos projetos. “No primeiro caso, vejo o mercado bastante aquecido, com boa liquidez, muito em função da chegada de fundos de investimento, que focam em empreendimentos já consolidados”, destaca o executivo, fazendo referência aos fundos criados por XP Investimento e BTG Pactual. “Agora, esse apetite se limita a algumas praças, principalmente Rio de Janeiro e São Paulo”, diz.

Em relação aos novos projetos, o cenário é bem diferente. Para ele, ainda será preciso canelar por todo o ano de 2020 para ver avanços mais significativos nos chamados new buildings. “Praças mais consolidadas e de maior apelo, como Rio e São Paulo, têm limitação de terreno em função do alto custo, o que é um complicador”, pontua. “Em São Paulo, especificamente, a recuperação dos segmentos residencial e corporativo é outro problema, porque, ao fazer análise de uso do terreno, o investidor acaba preferindo esses produtos pela maior liquidez, principalmente em bairros concorridos. Além disso, o nível de vacância está recuando, o que eleva os preços de aluguéis”, acrescenta Martins.

Ainda assim, Mader reconhece que novos projetos em bairros disputados de grandes centros como Rio e São Paulo podem sair do papel nos próximos anos. “Nesses casos, as melhores oportunidades são em complexos mixed use, o que deixa o projeto mais atrativo e com menos risco para o investidor”, explica Mader. 

“O novo Plano Diretor de São Paulo, de certa forma, favorece esse tipo de produto. Os chamados NRs (não residenciais) podem ser uma oportunidade para a expansão hoteleira”, avalia Caio Calfat, presidente da Adit Brasil (Associação para o Desenvolvimento Imobiliário e Turístico do Brasil). “Quando saímos do eixo Rio-SP, contudo, já não se encontram produtos tão sofisticados em grande quantidade para desenvolver. Nesses locais, multipropriedade juntamente com timeshare são hipóteses que vêm sendo avaliadas pelos investidores”, acrescenta o dono da Caio Calfat Real Estate Consulting.

Pois foram exatamente essas oportunidades que a Atlantica Hotels procurou mapear no mercado ao longo de 2019, quando fechou 18 contratos, número acima do projetado inicialmente. Em junho, a empresa anunciou a abertura de um Radisson em um complexo da You Incorporadora chamado Core Pinheiros, no bairro paulistano que leva o mesmo nome do projeto. “No período de recessão econômica, conduzimos nossa expansão muito baseada em conversões e na aliança firmada com a Vert Hotéis, mas estamos sentindo uma melhora no mercado. Em 2019, metade dos contratos foram new buildings, boa parte no estado de São Paulo”, revela Fernando Andrade, gerente de Desenvolvimento da Atlantica.

Para 2020, a rede tem a expectativa de fechar 22 contratos (gestão e franquia). “Estamos mirando mercados secundários, em projetos com investidores patrimoniais. Nas grandes capitais, sentimos que as incorporadoras voltaram a debater a possibilidade de investir em hotéis nas rotas mais interessantes e o Core Pinheiros é um bom exemplo disso. Onde não há grande desenvolvimento imobiliário, vamos focar nas conversões”, explica Andrade.

E o futuro?

Sócio do segmento imobiliário do Veirano Advogados, Raphael Espírito Santo aponta um movimento interessante nesse processo de retomada do mercado hoteleiro. “Com esse cenário de juros baixos, investidores institucionais estão buscando diversificar investimentos dentro do mercado imobiliário, e hotéis acabam se tornando uma alternativa”, explica. “Então, gradualmente, o mercado vai ficando mais consolidado e maduro, atraindo mais e novos players institucionais. Ou seja, vai se alinhando cada vez mais com o que é visto no exterior, com a existência de fundos imobiliários especializados no segmento hoteleiro”, avalia.

Quando esse dia chegará Espírito Santo não sabe dizer. Mais ainda, talvez ninguém se arrisque a cravar um prazo. Agora, uma coisa é certa: essa transição nas condições macroeconômicas anteriores era impossível. “Quanto mais tiver no mercado empreendimentos maduros, que saibam lidar com esses investidores institucionais e passando informações claras para eles, mais vamos nos aproximar dessa realidade”, avalia o advogado, que é especializado no mercado hoteleiro. “Acredito que estamos nos primeiros passos desse processo, que levará a uma consolidação nunca antes vista. Teremos não só um número menor de donos de hotéis, como também de redes hoteleiras”, acrescenta Mader.

Nesse contexto que se desnuda, com juros baixos e um número maior de investidores institucionais atuando na hotelaria, qual será o papel dos condo-hotéis? Bem, a resposta merece outro amplo debate como esse e a verdade é que o repórter já está ficando sem linhas para tratar do assunto. Fica para uma próxima pauta, mas alguma coisa me diz que o mercado já tem a resposta...

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