PESSOA JURÍDICA NÃO PODE CELEBRAR ACORDO DE COLABORAÇÃO PREMIADA, DECIDE STJ

A 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ("STJ") entendeu que a pessoa jurídica e, sobretudo, seus dirigentes não são capazes de celebrar acordo de colaboração premiada, por se tratar de ato personalíssimo e por considerar impossível o enquadramento da pessoa jurídica como investigada ou acusada do crime de organização criminosa.

No caso concreto, foi interposto Recurso em Habeas Corpus perante o STJ buscando o trancamento ação penal contra ex-executivo por lavagem de dinheiro e organização criminosa em decorrência de colaboração premiada entabulada por pessoa jurídica e o Ministério Público de São Paulo ("MPSP"), por meio da qual seus ex-executivos figuraram como colaboradores ao aderirem ao acordo firmado pela própria empresa.

O relator, Ministro Olindo Menezes, considerou que o acordo de colaboração não se aplica às pessoas jurídicas, por se tratar de ato personalíssimo capaz de reduzir ou isentar de pena o colaborador pelo suposto crime cometido.

Assim, considerando que a responsabilidade penal da pessoa jurídica se limita aos crimes ambientais, não é possível admitir que a empresa celebre acordo de colaboração premiada para informar ao órgão acusatório a prática do delito de organização criminosa, nos termos da Lei 12.850/2013. Nesse sentido, o relator observou que "[c]omo não se mostra possível o enquadramento da pessoa jurídica como investigada ou acusada no tipo de organização criminosa, também não seria lícito qualificá-la como ente capaz de celebrar acordo de colaboração premiada".

O relator ainda trouxe à discussão questão relevante no sentido de que o acordo firmado entre a empresa e o MPSP confunde os institutos da colaboração premiada, aplicável a acusações penais contra pessoas físicas, e da leniência, aplicável às pessoas jurídicas em âmbito cível e criminal. Assim, de acordo com a 6ª Turma, referidos institutos devem ser aplicados restritivamente de acordo com as normas previstas em lei, exceto para beneficiar o réu – o que não ocorreu no caso concreto.

Por essa razão, a 6ª Turma do STJ declarou a nulidade do acordo firmado entre a empresa e o MPSP, decidindo pelo trancamento da ação penal contra o ex-executivo delatado. Referida decisão é de suma importância: tendo em vista que o instituto da colaboração premiada vem sendo aplicado cada vez mais pelos órgãos acusatórios, é necessário haver estrita observância aos limites e regras dispostos na Lei 12.850/13, a fim de evitar nulidades processuais e prejuízo ao réu delatado.

EM DENÚNCIA POR LAVAGEM DE DINHEIRO, É NECESSÁRIO QUE O ÓRGÃO ACUSATÓRIO DEMONSTRE CABALMENTE QUE O AGENTE CONHECIA A ORIGEM ILÍCITA DOS VALORES E DELIBERADAMENTE AGIA PARA OCULTÁ-LOS, DECIDE STJ

A 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ("STJ") entendeu que a denúncia deve apresentar indícios de que o acusado tenha conhecimento da origem ilícita dos valores, com apontamento específico do ato de ocultação e/ou dissimulação dos bens, a fim de possibilitar o exercício do contraditório e da ampla defesa.

No caso concreto, uma pessoa foi denunciada pelo crime de lavagem de dinheiro por ter utilizado dinheiro supostamente ilícito decorrente de delito cometido por seu genitor para financiar reformas em sua casa. Dessa forma, para o Ministério Público Federal ("MPF"), embora o imóvel esteja em nome do genitor, o seu filho é o verdadeiro proprietário, de modo que o dinheiro utilizado na reforma se caracterizou como um ato de ocultação da origem ilícita, havendo um conluio entre pai e filho para lavagem de dinheiro.

Diante desses fatos, a 6ª Turma trancou a ação penal uma vez que não houve indicação, pelo MPF, de elementos mínimos capazes de comprovar que o filho empregou atos de ocultação de valores ilícitos. O relator, Ministro Sebastião Reis Júnior, ressaltou que, ainda que hipoteticamente o filho tivesse conhecimento das atividades supostamente delitivas perpetradas por seu genitor, é indispensável a exposição pormenorizada do delito e de todos os atos cometidos – sobretudo quanto ao delito de lavagem de dinheiro, que possui em sua redação diversas ações visando à ocultação e dissimulação de bens e valores.

Por fim, a Ministra Laurita Vaz, em voto-vista, pontuou a inexistência de elementos individualizados apontando o nexo causal entre o delito e a conduta do filho, morador do imóvel em que foram realizadas as reformas, mencionando ainda que "[t]al fato não autoriza a instauração de processo criminal, se não restar comprovado o vínculo entre a conduta e a agente, sob pena de se reconhecer impropriamente a responsabilidade penal objetiva, não admitida no nosso ordenamento jurídico".

A decisão expõe elementos imprescindíveis para o início de uma ação penal em crimes de lavagem de dinheiro, que são, em sua essência, complexos e demandam estudo aprofundado, a fim de se evitar denúncias que impossibilitem a ampla defesa e o contraditório.

ACESSO DIRETO DA POLÍCIA A DADOS DO COAF É ILEGAL, DECIDE TJSP

A 14ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo entendeu que a Polícia e o Ministério Público não podem requisitar diretamente do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) dados coletados no âmbito de um procedimento administrativo fiscal, mesmo quando há indícios da prática de crimes, sem autorização judicial, ainda que o COAF possa encaminhar referidos dados de ofício.

No caso concreto, foi impetrado Habeas Corpus perante o TJSP a fim de trancar Inquérito Policial, uma vez que a Autoridade Policial teria acessado ilegalmente o Sistema Eletrônico de Intercâmbio COAF (SEI-C), sob o pretexto de apurar suposto crime de lavagem de dinheiro sem que houvesse Inquérito Policial instaurado. De acordo com o impetrante, o Inquérito Policial foi instaurado em 25.11.2021, enquanto o relatório de inteligência financeira foi solicitado em 21.05.2021, seis meses antes de os pacientes serem formalmente investigados.

Diante disso, a 14ª Câmara de Direito Criminal concedeu a ordem de Habeas Corpus a fim de trancar o Inquérito Policial. Em seu voto, o relator destacou que o STF, ao julgar o RE nº 1.055.941/SP, firmou tese no sentido de ser constitucional o compartilhamento de dados pela Receita Federal ou pelo COAF com o Ministério Público, para fins de instrução criminal, sem autorização judicial. Contudo, quando da fixação da tese, apresentou limites ao compartilhamento de informações entre órgãos de controle financeiro (como o COAF) e órgãos de persecução penal (como o Ministério Público ou a Autoridade Policial, como no caso).

Nesse sentido, segundo o relator, o STF se referiu ao COAF, especificamente, como órgão que recebe as ocorrências de atividades suspeitas e elabora os Relatórios de Inteligência Financeira para, conforme o caso, encaminhá-los, de ofício, à autoridade competente para a investigação criminal. Se referiu à Receita Federal, por sua vez, como órgão que, após prévio processo administrativo fiscal, remete de maneira espontânea representação fiscal aos órgãos de persecução penal para eventuais providências.

Isto ponderado, enfatizou, em consonância com o voto vencedor no julgamento do Recurso Extraordinário, a "absoluta e intransponível impossibilidade da geração de RIF por encomenda (fishing expedition)" contra cidadãos que não estejam sob investigação criminal de qualquer natureza ou em relação aos quais não haja alerta emitido de ofício pela unidade de inteligência, de modo que, caso o Ministério Público ou Autoridade Policial desejem ter acesso direto a informações bancárias, é imprescindível a obtenção de autorização judicial.

A decisão da Câmara é acertada por se coadunar à tese fixada pelo STF e por resguardar a privacidade do indivíduo e o sigilo das comunicações, garantias fundamentais previstas na Constituição Federal.

SEGUNDO O STJ, INCORPORAÇÃO DE UMA PESSOA JURÍDICA POR OUTRA EXTINGUE A PUNIBILIDADE DA EMPRESA CONDENADA PENALMENTE

A 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça ("STJ") decidiu, por 5 votos a 4, que a incorporação de uma pessoa jurídica por outra equivale à morte de um réu, acarretando a extinção da punibilidade da pessoa jurídica incorporada e condenada penalmente, nos termos do artigo 107, I, do Código Penal.

No caso concreto, uma empresa alvo de ação penal por crime ambiental foi incorporada por outra, ocasionando, em termos societários, a extinção da pessoa jurídica. Por essa razão, o Tribunal de Justiça do Paraná ("TJPR") extinguiu a punibilidade da empresa incorporada com fundamento no dispositivo penal de extinção da punibilidade pela morte do réu. Em razão disso, o Ministério Público do Paraná ("MPPR") interpôs Recurso Especial sob o argumento de que o princípio da intranscendência da pena é destinado e aplicável apenas aos seres humanos, e não às pessoas jurídicas, como ocorreu no caso. Embora com divergência, prevaleceu o entendimento do Relator, Ministro Ribeiro Dantas. De acordo com o seu voto, a incorporação de uma empresa acusada de crime ambiental deve ensejar a extinção da punibilidade, pois não há como transferir essa responsabilidade penal à empresa incorporadora.

De acordo com os Ministros que seguiram o voto do Relator, não há autorização legal para processar criminalmente uma empresa que não existe mais, como no caso concreto, devendo haver "isonomia total" quanto aos institutos benéficos aplicados em favor do réu pessoa física.

Em divergência, os Ministros Joel Ilan Paciornik, João Otávio de Noronha, Saldanha Palheiro e Rogerio Schietti apontaram que a equiparação da extinção da punibilidade da pessoa jurídica à morte de um réu é equivocada, uma vez que só seria possível em caso de dissolução ou liquidação da empresa, sendo a incorporação empresarial apenas uma reestruturação societária. Por essa razão, salientaram que a extinção da punibilidade nesses casos deixaria a sociedade vulnerável e sujeita a artifícios empresariais em caso de ações penais por delitos ambientais.

A decisão da 3ª Seção do STJ deve ser interpretada com cautela. Isso porque, considerando que o caso leva em conta conceitos e princípios de Direito Comercial e societário, não há como dissociá-los da matéria penal, como pretenderam os Ministros que votaram pela extinção da punibilidade da pessoa jurídica incorporada. Assim, a matéria ainda é controversa, pois ainda requerer uma análise detida e conjunta das normas do ordenamento jurídico para se afirmar com segurança, à luz dos princípios do Direito Penal e Processual Penal, que não há autorização legal para a punição de empresa incorporada e de seu corpo diretivo em vista da extinção da pessoa jurídica.

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