É NULA A AÇÃO PENAL EM QUE AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO PARA INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHA É PROTAGONIZADA PELO MAGISTRADO, DECIDE STJ

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça ("STJ") decidiu que é nula a Ação Penal na qual o magistrado assume o protagonismo da inquirição de testemunha em audiência de instrução. O Tribunal estabeleceu que a nulidade afeta o ato de inquirição, que deve ser refeito, assim como todos os atos subsequentes.

No caso concreto, uma pessoa foi condenada pelo delito de extorsão mediante sequestro. No entanto, durante audiência de instrução em que se pretendia ouvir uma testemunha, a juíza assumiu o protagonismo da realização das perguntas, formulando cerca de 257 questionamentos, enquanto o Ministério Público e a defesa formularam pouco mais de 50.

Inconformada, a defesa do acusado apelou da condenação. O Tribunal de Justiça de São Paulo ("TJSP") manteve a condenação, e a defesa impetrou Habeas Corpus perante o STJ. Em decisão monocrática, o Relator, Ministro Sebastião Reis Junior, concedeu a ordem, salientando que a juíza do caso violou o artigo 212 e o seu parágrafo único, do Código de Processo Penal, que estabelecem que, durante a audiência, "as perguntas serão formuladas pelas partes [acusação e defesa] diretamente à testemunha" e que "sobre pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição".

Ainda de acordo com o Relator, ao referenciar um julgamento do Supremo Tribunal Federal ("STF"), "a separação entre as atividades de acusar e julgar não autoriza que o juiz, em substituição ao órgão de acusação, assuma papel ativo na produção probatória, sob pena de quebra da necessária imparcialidade do Poder Judiciário".

A decisão do STJ reafirma a necessidade de que o juiz se limite ao papel de julgar processos e não auxiliar as partes na produção probatória, em respeito ao sistema acusatório instituído pela Constituição Federal. Cabe verificar se os demais tribunais brasileiros se adequarão à jurisprudência do STJ, que vem cada vez mais consolidando tal entendimento.

SENADO APROVA PROJETO DE LEI QUE ESTABELECE LIMITES MAIS RÍGIDOS PARA A BUSCA E APREENSÃO EM ESCRITÓRIOS DE ADVOCACIA

O Senado Federal aprovou o Projeto de Lei nº 5284/2020, que promove uma série de alterações na Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Advocacia), no Código de Processo Civil e no Código de Processo Penal. Dentre as mudanças, destaca-se a imposição de limites mais rígidos para a realização da medida de busca e apreensão em escritórios de advocacia.

Atualmente, o Estatuto de Advocacia prevê, em seu artigo 7º, § 6º, que, uma vez "presentes indícios de autoria e materialidade da prática de crime por parte de advogado, a autoridade judiciária competente poderá decretar a quebra da inviolabilidade [...], em decisão motivada, expedindo mandado de busca e apreensão, específico e pormenorizado, a ser cumprido na presença de representante da OAB, sendo, em qualquer hipótese, vedada a utilização dos documentos, das mídias e dos objetos pertencentes a clientes do advogado averiguado, bem como dos demais instrumentos de trabalho que contenham informações sobre clientes".

Se sancionado pelo Presidente da República, o Projeto de Lei inclui no Estatuto os §§ 6º-A até 6º-I, dentre os quais se destaca o § 6º-A, que estabelece que a "medida judicial cautelar que importe na violação do escritório ou do local de trabalho do advogado será determinada em hipótese excepcional, desde que exista fundamento em indício, pelo órgão acusatório". Além disso, destaca-se o § 6º-B, segundo o qual "é vedada a determinação da medida cautelar prevista no § 6º-A deste artigo se fundada exclusivamente em elementos produzidos em declarações do colaborador  [em colaboração premiada] sem confirmação por outros meios de prova".

Por conta da inclusão das novas normativas, o Projeto de Lei vem sendo elogiado pela comunidade jurídica, tendo em vista que, nos últimos anos, o Poder Judiciário decretou medidas de busca e apreensão em escritórios de advocacia sem elementos que indicassem a participação em crimes, ou apenas com base na palavra de colaboradores em sede de colaboração premiada, o que representa não apenas uma violação de prerrogativas do advogado, mas, também, ao exercício da própria justiça, ante a função constitucional do advogado. Resta aguardar se o projeto será aprovado em sua íntegra pela Presidência da República.

PESSOA JURÍDICA NÃO PODE SOFRER COM EFEITOS DE MEDIDA CAUTELAR IMPOSTA CONTRA SEUS SÓCIOS, DECIDE O TRF-1

A 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região ("TRF-1") decidiu que pessoas jurídicas não podem sofrer com os efeitos de medida cautelar imposta a um de seus sócios.

No caso concreto, o sócio de uma empresa de medicamentos foi preso preventivamente em razão do deslinde de investigação que apura esquema de fraudes em licitações. Após o requerimento da defesa, a prisão preventiva foi revogada e medidas cautelares diversas da prisão foram impostas ao investigado. Dentre as medidas impostas, estava a proibição de o investigado contratar com o poder público, seja em nome próprio, seja por intermédio de pessoa jurídica.

Irresignada, a defesa do investigado requisitou ao Juiz a revogação da proibição de contratar com poder público, o que foi indeferido. Assim, a defesa do investigado impetrou Habeas Corpus perante o TRF-1 alegando que a imposição da medida diversa da prisão vem causando grandes prejuízos à empresa da qual o investigado é sócio – a despeito de ter se afastado da administração da empresa –, uma vez se tratar de fornecedora de medicamentos para o setor hospitalar público que teve seus contratos suspensos.

Em seu voto, que foi acompanhado dos demais desembargadores federais, o Relator do caso, o Desembargador-Federal Néviton Guedes, manteve a medida cautelar em face do investigado, mas determinou a revogação em relação à empresa, uma vez a proibição do acusado de contratar com o poder público não pode alcançar empresa da qual é sócio.

O Relator aduziu que as empresas possuem personalidade jurídica própria, autônoma e diversa da personalidade de acusados pessoas físicas. Dessa forma, as decisões judiciais prolatadas em processo penal que envolvem apenas os proprietários de pessoas jurídicas não podem restringir direitos fundamentais da empresa, como seu patrimônio, sua liberdade geral de agir e sua liberdade de contratar.

Ainda, a pretensão de se atingir o patrimônio ou inviabilizar as atividades da pessoa jurídica somente se admitiria, segundo o Relator, em casos de crimes ambientais, nos quais é possível a responsabilidade penal de empresas, ou em casos em que há indícios de que a empresa vem sendo instrumentalizada para a prática de crimes.

O Relator salientou que, fora tais exceções, não se pode admitir que medidas cautelares sejam impostas a empresas com fundamento em investigação criminal ou processo penal que se desenvolve em face de seus sócios ou diretores. A esse respeito, destacou o Relator que "não é porque, por exemplo, o diretor ou proprietário de uma empresa tenha praticado crime, ainda que por seu intermédio, que se irá, nas medidas restritivas impostas ao diretor ou proprietário, inviabilizar a própria empresa, salvo a circunstância excepcional de se demonstrar, com prova indiscutível, que a própria empresa se converteu em instrumento essencial de prática delituosa de seu sócio ou administrador".

Mesmo em tais hipóteses, destacou-se, o atingimento da empresa por medidas cautelares impostas aos seus sócios ou diretores não se justificaria se inviabilizasse irreversivelmente o próprio funcionamento da empresa.

A decisão é de extrema importância, uma vez que tem se tornado comum, em processos criminais que apuram crimes econômicos, a imposição de medidas cautelares patrimoniais contra empresas, apenas em razão de um de seus sócios, diretor ou administrador estar envolvido em inquéritos policiais ou ações penais. Cabe saber se tal posicionamento repercutirá nos demais tribunais brasileiros, sobretudo, nos tribunais superiores.

A GRAVAÇÃO AMBIENTAL DE ATO JUDICIAL REALIZADA POR ADVOGADO SEM O CONHECIMENTO DOS DEMAIS INTERLOCUTORES NÃO CONFIGURA CRIME, DECIDE STJ

A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça ("STJ") decidiu que não comete crime o advogado que realiza gravação ambiental de ato judicial sem o conhecimento dos demais interlocutores. No caso concreto, advogadas de um acusado gravaram a inquirição de uma testemunha durante uma audiência de um processo sigiloso sem o conhecimento dos representantes do Ministério Público e do Juiz que presidiu o ato.

Após suposto vazamento da gravação, as advogadas passaram a ser alvo de investigação que apurava eventual crime previsto no artigo 10 da Lei nº 9.296/96 (Lei de Interceptação Telefônica): "constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, promover escuta ambiental ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei".

Posteriormente à realização de busca e apreensão no local de trabalho das advogadas, admitida pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro ("TJRJ"), a defesa impetrou Habeas Corpus  perante o STJ. Na ocasião do julgamento, o Relator, Ministro Joel Ilan Paciornik, que foi acompanhado pelos demais Ministros, entendeu que o procedimento investigatório deve ser trancado, pois a gravação ambiental não se confunde com a escuta ambiental nem com a interceptação telefônica, consideradas sigilosas pela norma penal.

Ainda, segundo o Relator, o artigo 367, § 6º, do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente ao Processo Penal, permite a gravação direta de audiência por qualquer uma das partes.

A decisão do STJ representa uma barreira contra as recentes tentativas de se tentar criminalizar a atividade da advocacia e o exercício da ampla defesa. Por se tratar de decisão colegiada de tribunal responsável pela unificação do entendimento sobre leis ordinárias, espera-se que os demais tribunais brasileiros respeitem o precedente do STJ em casos semelhantes.

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