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Na última sexta-feira (25) a equipe econômica do Governo Federal apresentou a proposta da 2ª fase da tão esperada reforma tributária. Desta vez o foco foi a tributação da renda. Ao longo desta semana o mercado jurídico e os setores da economia mais afetados pela proposta iniciaram discussões não só sobre os efeitos das mudanças sugeridas, mas também sobre a viabilidade política da sua aprovação ainda neste ano de 2021. Para que as novas regras passem a valer já a partir de 1º de janeiro de 2022, o PL 2337/2021 precisa ser convertido em Lei e publicado até 31 de dezembro deste ano.

A proposta traz mudanças importantes que afetam setores específicos da economia e também o planejamento societário e fiscal cotidiano dos contribuintes. A proposta pode ser dividida em 5 grandes temas: dividendos, IRPJ e CSLL, reorganizações e operações societárias, tributação de pessoa física e mercado financeiro.

Dividendos

Como esta medida era esperada, não causou grande surpresa no mercado. O Governo propõe uma alíquota elevada de 20% sob a forma de tributação exclusiva, isto é, sem que os dividendos sejam levados a ajuste no encerramento do período. As pessoas jurídicas podem usar o imposto retido para compensar aquele que deverão reter quando distribuírem os seus próprios lucros, mas não contra o imposto devido pela empresa. O projeto prevê alíquota agravada de 35% quando os dividendos não tiverem sido apurados na contabilidade. Esse dispositivo procura penalizar os contribuintes que não mantêm contabilidade organizada, porém quer nos parecer que esta alíquota de 35% pode também capturar determinadas transações com sócios que venham a ser requalificadas como dividendos (por isso o projeto propõe também a atualização das regras de Distribuição Disfarçada de Lucros – DDL). Caso a pessoa jurídica pagadora não tenha lucro do exercício ou reserva de lucros suficiente, a transação com o sócio qualificada como distribuição de dividendos pelas regras de DDL estaria sujeito à retenção de imposto de 35%, e não de 20%.

O projeto é contraditório sobre a tributação dos chamados "estoques" de lucros, sugerindo uma certa relutância na adoção desta controversa medida. Por um lado, o projeto estabelece que estão sujeitos à retenção os lucros pagos ou creditados a partir de 1º de janeiro de 2022, sem nenhuma ressalva para os lucros apurados até 2021. Também na hipótese de tributação das capitalizações, o projeto parece querer alcançar os lucros apurados até 2021. Por outro lado, há diversas passagens que miram apenas lucros futuros. Ao tratar da disponibilização automática e tributação dos lucros de filiais, sucursais, agências e representações, o texto indica que a retenção se aplica sobre os lucros apurados a partir de 1º de janeiro de 2022, assim como no caso de tributação dos empréstimos que configurarem distribuição disfarçada de lucros. A depender do texto final, a questão poderá ser levada ao Judiciário.

IRPJ e CSLL

Com a tributação dos dividendos, a proposta é de reduzir a alíquota básica do IRPJ para 12,5% em 2022 e para 10% em 2023. O adicional de 10% continua aplicável. A proposta frustrou o mercado, que esperava uma redução mais significativa que contrabalanceasse a tributação sobre dividendos. Pretende-se eliminar a apuração anual do lucro real, que passaria a ser apurado apenas trimestralmente. Mudanças na compensação de prejuízos eliminam a trava de 30% para a compensação dos resultados negativos dos três trimestres subsequentes.

O projeto pegou de surpresa o setor imobiliário, obrigando à tributação pelo lucro real as empresas que fazem administração, aluguel ou compra e venda de imóveis próprios. A legislação tem algumas inconsistências, pois as incorporadoras ficaram de fora dessa obrigatoriedade (permanecendo a opção pelo RET), mas empresas de loteamento não, então a expectativa é de que esse item seja revisto. Empresas de receita passiva, sem custos e despesas significativas, como exploradoras de royalties (exceto software), direitos patrimoniais de autor e de imagem também estariam obrigadas ao lucro real. Ainda que não seja aprovada em 2021, ou que não seja aprovada nos termos atuais, essa proposta constitui forte indicação de que as estruturas de alta eficiência fiscal de que trata estão no radar do Governo, afetando sua avaliação de risco no médio e longo prazo.

Outro tema que gerou bastante ruído nesta semana foi a obrigatoriedade de as Sociedades em Conta de Participação (SCP) adotarem o mesmo regime de tributação do sócio ostensivo, o que provavelmente induzirá à constituição de pessoas jurídicas de propósito específico, agregando complexidade e custos às estruturas que atualmente se utilizam da possibilidade de regimes diferentes.

Reorganizações e Operações Societárias

Se aprovado o projeto, a redução de capital e a distribuição de dividendos com entrega de bens e direitos deverão ser feitas necessariamente pelo valor de mercado do ativo transferido (exceto se o valor contábil for maior). No caso da distribuição de dividendos, além da tributação corporativa sobre a diferença entre o valor de mercado e o valor contábil do ativo, incide a retenção de 20%. A transferência de bens e direitos a entidades no exterior para integralização de capital também deverá ser feita necessariamente pelo valor de mercado do ativo. Essa medida afeta diretamente as transferências patrimoniais para trusts e as operações de roll up amplamente praticadas no mercado das startups e de venture capital.

No segmento de M&A, o projeto impôs restrições à dedutibilidade da parcela do preço de aquisição alocada à mais-valia dos ativos líquidos, além de limitar a amortização fiscal do ágio a aquisições ocorridas até 31 de dezembro de 2021, desde que a incorporação entre investidora e investida aconteça até 31 de dezembro de 2022. Caso aprovadas estas novas regras é possível que o mercado de M&Amigre para estruturas envolvendo aquisição direta de ativos ou a alocação do preço das participações societárias para itens intangíveis das adquiridas.

Espelhado nas orientações da OCDE, o Brasil caminha para a tributação das vendas indiretas. Se a venda envolver 10% ou mais da participação na entidade estrangeira e o ativo brasileiro corresponder a mais que 50% do valor da entidade estrangeira ou USD 100 milhões, configurada estaria a venda indireta, sendo devido o imposto no Brasil. O projeto prevê responsabilidade solidária de todas as partes envolvidas.

Pessoa Física

O projeto restringe o planejamento patrimonial com bens no exterior. O Governo propõe que os lucros apurados por sociedades estrangeiras domiciliadas em paraíso fiscal, ou que estejam sob regime fiscal privilegiado, sejam tributados na pessoa física pela tabela progressiva de zero a 27,5%. Se aprovada a medida, o mercado deve se movimentar para montar estruturas offshore em países não listados ou com os quais o Brasil tenha tratados de dupla tributação que protegem contra tal tributação automática.

Como esperado, também foi anunciada a opção para as pessoas físicas atualizarem o valor dos imóveis, com pagamento de imposto de 4% sobre a diferença entre o valor de mercado e o custo de aquisição. Quando a pessoa física vender o imóvel, os fatores de redução por tempo de propriedade serão contados a partir desta opção, e não desde a data original de aquisição do imóvel. Um detalhe importante: quem atualmente possuir imóveis em holding patrimonial não conseguirá se valer desta opção mesmo que retorne o imóvel para a pessoa física, pois ela se aplica somente para os imóveis adquiridos até 31/12/2020.

Foram anunciadas mudanças nas regras de tributação da renda variável em bolsa de valores. Foi mantido o IR de 15% sobre os ganhos líquidos, mas os resultados obtidos em operações normais (swing trade) podem ser consolidados com os resultados de day trade, que agora também serão tributados em 15%. O imposto passa a ser apurado e recolhido em bases trimestrais, sendo isentos os ganhos caso a pessoa física tenha vendido menos de R$ 60 mil no respectivo trimestre.

Embora pouco mencionada, merece destaque a revogação da isenção de ganho de capital sobre os bens adquiridos na condição de não residente. Para quem já possui bens nesta condição, a discussão deve girar em torno de a isenção ser ou não um direito adquirido.

Mercado Financeiro

Outro segmento bastante afetado pela proposta. As alíquotas regressivas são extintas, sendo cobrado o IR à alíquota única de 15%. Não foram modificadas as isenções sobre a poupança, letras hipotecárias, CRI, LCI, CDA, WA, CDCA, LCA, CRA, CPR etc.

As principais mudanças anunciadas dizem respeito à tributação dos fundos de investimento, com o objetivo de terminar com o regime de diferimento próprio desse tipo de investimento. Pelo projeto, os fundos em condomínio fechado também devem sofrer a tributação periódica de 15% pelo come cotas, que passa a ser recolhido uma vez ao ano no mês de novembro. Como regra de transição, o projeto prevê a tributação do estoque de rendimento acumulado, retomando a polêmica tributação dos estoques de lucros, que implica uma inaceitável retroatividade e que já foi afastada pelo Judiciário em situações semelhantes.

O Governo tenta mais uma vez impor a tributação como pessoa jurídica dos FIPs não qualificados como entidade de investimento. Caso essa medida seja aprovada e as distribuições dos FIPs passem a se qualificar como dividendos sujeitos a retenção de 20%, o mercado deve migrar para outros tipos de fundos cujas distribuições estariam sujeitas a retenção menor do que os 20% propostos para os dividendos.

Também foram anunciadas mudanças sobre os FII. O IRPF sobre o ganho na venda de cotas de FII em bolsa de valores foi reduzido de 20% para 15%. Porém, caso a reforma seja aprovada as distribuições dos FII hoje isentas passariam a ser tributadas em 15%.

Essas são nossas impressões iniciais sobre o texto da reforma. Entendemos que as medidas propostas de reforma da tributação da renda devem ser avaliadas necessariamente em conjunto com a 1ª fase da reforma tributária, envolvendo a criação da CBS, já que o equilíbrio das contas públicas depende de ambas. Estamos acompanhando a tramitação dos projetos e mapeando em que medida eles afetam nossos clientes e os segmentos relevantes do mercado. Estamos à disposição para discutir o tema e manteremos vocês informados sobre qualquer movimentação relevante.

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