Em 15 de outubro de 2024, a ControladoriaGeral da União ("CGU") publicou o Volume II do "Manual Programa de Integridade: Diretrizes para Empresas Privadas" ("Manual"), que estabelece novas recomendações para a implementação, aperfeiçoamento e monitoramento de programas de integridade com base em atualizações legislativas recentes e novas práticas de mercado em matéria de integridade e de governança ambiental, social e corporativa (ou Environmental, Social and Governance – "ESG").
O Manual tem como objetivo atualizar e complementar o primeiro volume do documento lançado em 2015, de forma a disseminar e incentivar a adoção de boas práticas de integridade, ao mesmo tempo em que confere transparência e previsibilidade sobre a visão e a atuação da CGU em relação ao tema - muito embora não possua caráter normativo ou vinculante
As recomendações de melhores práticas do Manual levam em consideração normativos que se relacionam com a matéria anticorrupção e que entraram em vigor após 2015, como o Decreto n° 11.129/2022, que regulamenta a Lei n° 12.846/2013 (ou Lei Anticorrupção), e a Lei n° 14.133/2021 (ou Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos), que passou a estabelecer a obrigatoriedade de adoção de programas de integridade por empresas envolvidas em contratações públicas de grande vulto, inclusive para critérios de desempate e como condição de reabilitação de empresas declaradas inidôneas.
A CGU também considerou, para fins de elaboração do Manual, outros normativos que, muito embora sejam aplicáveis às empresas do setor público, podem ser levados em consideração pelas empresas privadas para fins da estruturação de seus programas de integridade, a exemplo da Lei n° 13.303/2016 (ou Lei das Estatais) e do Decreto n° 11.529/2023 (que regulamenta o Sistema de Integridade, Transparência e Acesso à Informação da Administração Pública Federal).
O Manual confere atenção especial à necessidade de implementação de políticas e procedimentos relacionados a temas ESG, como a prevenção de práticas de assédio e discriminação, promoção da diversidade corporativa e respeito aos direitos humanos, sociais e ambientais, com destaque para a gestão de riscos relacionados ao trabalho análogo ao escravo e à preservação do meio ambiente.
Com o objetivo de manter nossos clientes sempre informados e atualizados, preparamos o resumo a seguir com as principais recomendações estabelecidas no Manual. Em caso de dúvidas, não hesite em nos contatar – nossa equipe de Global Investigations & White-Collar Defense está à disposição para oferecer suporte personalizado, discutir como essas diretrizes podem impactar sua empresa e ajudá-los a implementar as melhores práticas de integridade e de governança atualmente reconhecidas pela CGU.
Boa leitura!
I. ATUALIZAÇÃO DO CONCEITO DE "PROGRAMA DE INTEGRIDADE"
A CGU introduz o Manual afirmando ser essencial que o conceito de Programa de Integridade, inicialmente definido pelo Decreto nº 8.420/2015 (que originalmente regulamentou a Lei Anticorrupção até a sua revogação pelo Decreto n° 11.129/2022), passe a incluir os seguintes objetivos:
- Fomentar e manter uma cultura de integridade no ambiente organizacional; e
- Combater outros desvios éticos e de conduta, violação ou desrespeito a direitos, valores e princípios que impactem a confiança, a credibilidade e a reputação institucional.
Referidos aspectos de integridade foram introduzidos, respectivamente, pelo Decreto n° 11.129/2022 (art. 56) e pelo Decreto n° 11.529/2023 (art. 3°). De acordo com a CGU, esses aspectos agregam, ao conceito de Programa de Integridade, outros elementos além do combate à fraude e à corrupção, como ações positivas que promovam a ética, a boa governança, o respeito aos direitos humanos e sociais, e a preservação do meio ambiente.
A CGU destaca, no Manual, que o endereçamento e o comprometimento com referidos temas consistem em uma demanda "cada vez mais atual da sociedade", que exige das organizações, públicas e privadas, uma atuação "responsável" e "comprometida com o desenvolvimento econômico-social sustentável, justo e democrático", especialmente no que diz respeito às práticas ESG, as quais "ganharam destaque significativo na última década" e "não podem mais ser ignoradas pelas empresas".
II. NOVAS CONSIDERAÇÕES PARA A IMPLEMENTAÇÃO E/OU APRIMORAMENTO DE PROGRAMAS DE INTEGRIDADE
INTEGRIDADE E GOVERNANÇA CORPORATIVA
BOA PRÁTICA
A estrutura de governança1 exerce um papel fundamental na promoção da integridade nas empresas, uma vez que as instâncias e indivíduos que a integram são responsáveis pela tomada de decisões que definem a escolha da liderança, estratégia corporativa e a forma de condução e controle dos negócios.
Independentemente de sua complexidade, é importante que as empresas tenham uma estrutura de direção e controle bem delineada, com atribuições e responsabilidades claramente definidas e acessíveis às partes interessadas.
RECOMENDAÇÕES
- Adequação da estrutura de governança ao porte, atividades desempenhadas pela empresa e arcabouço regulatório aplicável.
- Detalhamento das atribuições e responsabilidades dos agentes e órgãos que compõem a estrutura de governança nos normativos da empresa (estatuto/contrato social, regulamentos e regimentos), bem como divulgação de referidas informações no âmbito organizacional.
- Implementação de instrumentos de supervisão do Programa de Integridade na estrutura de governança.
- Avaliação da possibilidade de garantir maior diversidade com relação à composição dos órgãos de governança da empresa, refletindo a sociedade na qual está inserida.
- Divulgação da estrutura de governança (incluindo informações sobre os indivíduos que a compõem, cargos que ocupam e qualificação) na página eletrônica institucional da empresa.
O PAPEL DA LIDERANÇA
BOA PRÁTICA
O comprometimento da alta direção2 das empresas, evidenciado pelo apoio visível e inequívoco ao programa, bem como pela destinação de recursos adequados, é a base de um Programa de Integridade efetivo. Os líderes devem ser vistos como exemplos de conduta, e os primeiros a observar os preceitos do Programa de Integridade de forma a garantir a devida responsabilização daqueles que cometerem irregularidades.
RECOMENDAÇÕES
- Verificação de histórico de conduta no âmbito de processos de seleção de potenciais candidatos a ocupar cargos de liderança (e.g., envolvimento de casos de corrupção, fraudes, assédios, violações a direitos humanos ou práticas de danos ambientais, bem como eventual omissão diante de tais ocorrências).
- Inclusão do atingimento de metas de desempenho relacionadas à aplicação do Programa de Integridade na avaliação de membros da alta direção e de concessão de remuneração variável (bônus).
- Implementação de mecanismos que inviabilizem o pagamento de bônus ou a concessão de outros tipos de benefício para membros da alta direção que praticarem irregularidades ou se omitirem diante de um caso de violação ética.
- Qualificação, por parte dos membros da alta direção, com relação a temas de integridade empresarial (como políticas anticorrupção, critérios ESG e governança corporativa), para que possam contribuir com a implementação e a supervisão do Programa de Integridade.
- Participação de membros da alta direção em treinamentos internos de compliance, com atualizações periódicas (especialmente para membros da alta direção que participam de órgãos com atribuição para tratar de temas de aplicação do Programa de Integridade).
- Realização de manifestações claras e frequentes de apoio ao Programa de Integridade, por meio de comunicados internos, mensagens eletrônicas, redes sociais, vídeos e reuniões. Neste caso, é importante que os discursos realizados estejam refletidos na prática e nos processos de tomada de decisão.
- Disponibilização de recursos financeiros e humanos para garantir a implementação e o adequado funcionamento do Programa de Integridade, de forma compatível com o porte e riscos aos quais a empresa está submetida, bem como proporcionais aos investimentos realizados em outros setores da empresa.
- Aplicação de sanções àqueles que praticarem quaisquer irregularidades, independentemente do cargo ocupado pelo infrator, com medidas de remediação (incluindo disciplinares) proporcionais à gravidade da infração.
INSTÂNCIA RESPONSÁVEL PELO PROGRAMA DE INTEGRIDADE
BOA PRÁTICA
As empresas devem possuir uma instância responsável3 por liderar e coordenar o processo de implementação, aplicação e monitoramento do Programa de Integridade. Essas atribuições precisam ser desempenhadas com autonomia e autoridade para que o Programa de Integridade possa ser, de fato, implementado e aplicado na rotina da empresa.
RECOMENDAÇÕES
- Formalização das atribuições, garantias e linha de reporte (incluindo a forma e a periodicidade mínima dos reportes) da instância responsável pelo Programa de Integridade em documento aprovado pelo mais elevado nível hierárquico da empresa.
- Disponibilização de recursos financeiros, materiais e humanos para o exercício das atribuições da instância responsável pelo Programa de Integridade, incluindo (i) garantia de participação efetiva do responsável pelo programa na elaboração do orçamento da área, (ii) realização de contingenciamentos orçamentários em proporções semelhantes ao contingenciamento praticado em outras áreas, (iii) disponibilização de quantidade de funcionários suficiente para as atividades do programa; e (iv) a destinação de verbas para desenvolvimento, contratação e manutenção de ferramentas e sistemas eletrônicos de aplicação e monitoramento do programa.
- Qualificação dos integrantes da instância responsável pelo Programa de Integridade, incluindo formação de nível superior e experiência em gestão de riscos, regulação e controles internos, e disposição para realizar constantes atualizações.
- Ocupação, por parte do responsável pelo Programa de Integridade, de posição hierárquica equivalente às demais áreas que tratam de temas correlatos, incluindo remuneração compatível com a complexidade do cargo e com a remuneração recebida pelas demais lideranças que ocupam posições semelhantes na empresa.
- Garantia de reporte direto da instância responsável pelo Programa de Integridade ao nível hierárquico mais elevado da empresa, incluindo a elaboração de relatórios de reporte periódicos (contendo informações sobre o estágio de implementação do programa, riscos identificados e medidas de mitigação, dados e estatísticas sobre a aplicação do programa, irregularidades detectadas e denúncias recebidas).
- Sujeição da instância responsável pelo Programa de Integridade à supervisão da alta direção e a procedimentos periódicos de auditoria (externa ou interna).
- Exercício das funções da instância responsável por parte de indivíduos de dentro da própria empresa, que conhecem e compartilhem a cultura organizacional com os demais integrantes. Em caso da terceirização de determinadas atividades, os serviços prestados pelos terceiros devem ser supervisionados pelo responsável da instância interna.
GESTÃO DE RISCOS PARA INTEGRIDADE
BOA PRÁTICA
As empresas devem adotar procedimentos de gestão dos riscos4 decorrentes de sua atuação e do mercado no qual operam, de forma a garantir a implementação efetiva do Programa de Integridade. A partir da avaliação de riscos, as empresas devem adotar as medidas mais adequadas para mitigar os seus principais riscos e, assim, alocar de forma mais eficiente seus recursos.
RECOMENDAÇÕES
- Identificação de riscos de integridade e classificação de acordo com probabilidade e impacto, priorizando-os e definindo medidas mitigatórias, com designação de responsáveis e prazos para a sua implementação.
- Em adição aos riscos de fraude e corrupção, consideração de (i) riscos ambientais5 , e (ii) riscos relacionados a atividades realizadas pela empresa em seu dia a dia, ainda que não celebre contratos administrativos com o Poder Público (e.g., pagamentos de facilitação, concessão de hospitalidades, cortesias e entretenimento a agentes públicos, financiamento de projetos culturais, interações com autoridades fiscais e tributárias, operações de crédito com bancos públicos).
- Monitoramento periódico de riscos sob a coordenação da instância responsável pelo Programa de Integridade e supervisão da alta direção.
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Footnotes
1. Em geral, a estrutura de governança de uma empresa pode ser representada pelos sócios e proprietários, Conselho de Administração, Comitês de Assessoramento, Presidência, Diretorias e Órgãos de Fiscalização e Controle, bem como as relações existentes entre eles. Essa estrutura pode variar de acordo com as características de cada empresa, como porte e número de funcionários.
2. Os membros da alta direção são aqueles que exercem a liderança na empresa, os responsáveis por tomar decisões estratégicas e operacionais. São exemplos de membros da alta direção os membros do Conselho de Administração, o presidente e os diretores executivos. No caso de micro e pequenas empresas, a alta direção pode corresponder aos proprietários, sócios, administradores e gerentes.
3. A forma de estruturação dessa instância depende de muitos fatores, desde o porte da empresa até a natureza das atividades conduzidas. Em grandes empresas e empresas que atuam em setor altamente regulado, é comum que exista um departamento de compliance. Em pequenas empresas, pode ser que haja apenas uma pessoa designada a essa função.
4. Há, no mercado, diversas metodologias de avaliação de riscos, cabendo a cada empresa utilizar a que lhe for mais conveniente. Espera-se que as empresas avaliem, de fato, os riscos para integridade existentes em suas atividades.
5. A Advocacia-Geral da União (AGU) já firmou entendimento no sentido de que determinadas infrações ambientais praticadas por empresas devem ser enquadradas no conceito de comportamento inidôneo nos termos do art. 155, X da Nova Lei de Licitações.
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