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  • Exclusão do ICMS da base do PIS/COFINS
  • Discussão nos tribunais
  • Julgamento no STF

PIS/COFINS sobre ICMS II: o percurso nos tribunais

Vimos no último post os fundamentos da tão falada tese da exclusão do ICMS da base do PIS/COFINS.

Seguindo a nossa minissérie sobre o tema, vamos ver agora como se deu a evolução do assunto nos Tribunais, mais especificamente no Supremo Tribunal Federal

Décadas de espera

Muitos têm chamado essa tese de tese do século, por ser talvez a maior discussão tributária em termos de valor, envolvendo muitos bilhões de reais e afetando milhares de contribuintes.

O apelido é justo principalmente se considerarmos que a sua resolução (que ainda não teve um ponto final, como veremos no próximo post) já leva mais de duas décadas, sendo possível localizar processos discutindo o tema (inclusive em relação ao antigo Finsocial que precedeu a COFINS) desde o meio da década de 90.

O tema começou a ganhar maior proporção quando em agosto de 2006 o Supremo Tribunal Federal começou a julgar o RE 240.785, em que se discutia a exclusão do ICMS da base da COFINS.

Naquela oportunidade o Tribunal já havia formado maioria de 6 a 1 em favor dos contribuintes, sendo que o julgamento foi suspenso em pedido de vista.

Em 2007, em uma manobra processual pouco vista por parte da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, talvez já antevendo a repercussão financeira do tema, foi ajuizada a Ação Direta de Constitucionalidade nº 18, com a finalidade de obter a declaração da legitimidade da inclusão do ICMS na base do PIS/COFINS.

O ajuizamento dessa ADC 18 tem seu mérito processual, pois em razão de ser uma Ação Direta, ela possui preferência de julgamento sobre outros tipos de processo, o que foi utilizado como argumento pela PGFN para pedir a suspensão do RE 240.785, enquanto a ADC não fosse julgada, podendo a Procuradoria também contar com uma eventual alteração da composição dos Ministros, pretendendo reverter a situação de maioria que havia sido formada no RE 240.785.

Em dezembro de 2007, ainda sem muito alarde, chegou ao STF o RE 574.706, que em abril de 2008 teria repercussão geral reconhecida, e viria a ser o julgamento definitivo sobre o tema naquela Corte.

Enquanto isso, em agosto de 2008 foi deferida liminar pelo STF na ADC 18, para suspender todos os casos no país sobre o tema, o que também favorecia a Fazenda, que conseguiria desacelerar a evolução do tema nos Tribunais.

Em outubro de 2010, porém, a liminar expirou, tendo os processos retomado o seu curso.

Em paralelo, nos demais Tribunais do país (Tribunais Regionais Federais e no Superior Tribunal de Justiça), porém, a situação não era favorável aos contribuintes, sendo que o STJ chegaria, em 2016, a fixar tema de recurso repetitivo (REsp 1144469/PR) de forma desfavorável aos contribuintes.

Mas antes disso, em outubro de 2014 o STF finalmente concluíra o julgamento do RE 240.785, e por 7 votos a 2 já havia reconhecido a inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base da COFINS. A manobra da PGFN com o ajuizamento da ADC 18, assim, acabou não surtindo o resultado esperado, sendo que tal ADC somente viria a ser julgada em setembro de 2018, quando ela foi julgada prejudicada, em razão do julgamento do RE 574.706 em repercussão geral.

Esse julgamento (do RE 574.706) se deu em março de 2017 e foi amplamente noticiado, inclusive na mídia não especializada, dada a sua importância.

Nesse julgamento, também por maioria de votos, o STF fixou o tema 69 de repercussão geral, fixando a tese: "O ICMS não compõe a base de cálculo para fins de incidência do PIS e da COFINS".

O que parecia caminhar para uma finalização, porém, iniciou anos turbulentos de incertezas e manobras erráticas por parte das Autoridades Fiscais, como veremos no próximo post.

Em outubro de 2017, quando o acórdão do julgamento de março foi publicado, a PGFN houve por bem opor embargos de declaração, abordando diversos pontos do julgamento e, além de questionar fundamentos da própria análise de mérito, solicitou expressa manifestação do STF quanto a qual ICMS deveria ser excluído da base de cálculo do PIS/COFINS e requerendo a modulação dos efeitos da decisão do Tribunal, para que ela passasse a ter efeitos apenas a partir do julgamento de tais embargos de declaração.

O aparente problema da quantificação do ICMS a ser excluído – a incerteza de décadas, prolongada por mais quase 4 anos

Embora a oposição de embargos de declaração não fosse surpresa para todos, dois pontos chamaram a atenção e criaram uma das maiores inseguranças jurídicas já vistas, o que se perdurou por quase três anos e meio.

O primeiro desses pontos diz respeito à quantificação do ICMS a ser excluído.

Em total inovação processual, a PGFN, visando reduzir o impacto da decisão do STF, trouxe o [aparente] problema da quantificação do ICMS, alegando que, em razão de ele ser um imposto não-cumulativo, seria preciso definir se a exclusão alcançaria o ICMS destacado nas notas fiscais, ou apenas o ICMS efetivamente pago pelo contribuinte (após o abatimento dos créditos da não-cumulatividade do imposto).

Este tema nunca chegou a ser debatido no processo que gerou o leading case, e parecia ser inexistente para os contribuintes, pois se a tese defendia a não inclusão do ICMS na base do PIS/COFINS, dever-se-ia verificar qual o ICMS foi considerado para fins de apuração das contribuições, o que resultaria, inevitavelmente, no ICMS destacado nas notas fiscais.

Isso porque ao se emitir a nota fiscal, o ICMS é destacado e indicado em tal documento. Esse ICMS já compõe o valor da operação e está embutido (por determinação legal) no preço da mercadoria.

Dessa forma, ao se apurar a base de cálculo do PIS/COFINS a partir da receita bruta, resultado da venda de produtos ou prestação de serviços, o ICMS que foi destacado na nota fiscal já está automaticamente considerado em tal cálculo.

A apuração de créditos do ICMS e a possibilidade de se reduzir o valor do imposto devido não altera o fato de que, quando o PIS/COFINS é calculado, ele considerava o ICMS destacado na nota fiscal.

O argumento da PGFN, porém, era o de que como um dos fundamentos do STF para decidir o caso foi no sentido de que o ICMS não é receita ou faturamento do contribuinte, pois pertence ao Estado, então apenas o valor que efetivamente fosse destinado ao Estado teria sido tributado indevidamente.

Esse raciocínio, porém, desconsidera que ainda que se possa compensar créditos de ICMS em sua apuração, tal crédito foi efetivamente pago pelo contribuinte quando adquiriu seus insumos e matérias-primas (e outros bens que autorizam o crédito), de forma que a existência dessa "moeda" de compensação não afasta o fato de que todo o ICMS destacado é devido ao Estado. O que ocorre é que ele é pago parte em crédito, parte em dinheiro.

Embora isso pudesse ser depreendido dos votos dos Ministros, a PGFN requereu manifestação mais clara via embargos de declaração, o que gerou uma grande incerteza e insegurança nos contribuintes, com o temor de que o STF pudesse, por questões políticas, alterar o entendimento para determinar a exclusão apenas do ICMS pago.

A insegurança aumentou quando em 2018 a Receita Federal editou a Solução de Consulta Interna COSIT 13, defendendo também a exclusão do ICMS pago. Veremos mais detalhes sobre ela no próximo post.

Felizmente, porém, com quase três anos e meio de espera, o STF julgou os embargos de declaração em maio de 2021, mencionando expressamente que o ICMS a ser excluído da base do PIS/COFINS seria o ICMS destacado nas notas fiscais.

A modulação de efeitos

A legislação processual prevê que, em situações de potencial impacto econômico e social e em caso de alteração na jurisprudência, os Tribunais podem modular os efeitos de suas decisões, limitando os seus efeitos a partir de um determinado momento no tempo.

Assim, em casos de grande repercussão econômica (como são muitos dos temas tributários), o STF tem modulado os efeitos de suas decisões para que elas passem a produzir efeitos apenas a partir de uma determinada data (por exemplo, data do julgamento, data da publicação da ata de julgamento, ou, ainda, uma data no futuro), como forma de não prejudicar os cofres públicos e permitir que os Entes Tributantes se preparem para se adaptar aos termos das decisões.

Olhando pelo lado dos contribuintes, porém, parece evidente que a modulação acaba prejudicando os particulares, que se viram durante anos obrigados a pagar um tributo indevido e, após o reconhecimento pelo STF de tal ilegitimidade, se veem impedidos de recuperar o que foi pago.

Outro alerta constantemente feito pelo Ministro Marco Aurélio quando estava na Corte, também, é o de que a prática reiterada de modular decisões pode estimular os Entes a produzir legislações que, embora sabidamente inconstitucionais, permitam uma arrecadação durante determinado tempo, apostando em talvez não terem que devolver os valores.

Especificamente no caso do PIS/COFINS sobre ICMS, como mencionei acima, a PGFN havia solicitado que o STF modulasse os efeitos da decisão para que ela apenas passasse a valer após o julgamento dos embargos de declaração (que viria a ocorrer apenas em maio de 2021).

O STF, porém, ao analisar o pedido, decidiu por maioria, pela modulação dos efeitos, mas a partir de 15 março de 2017, quando houve o primeiro julgamento do RE 574.706, ressalvando os contribuintes que possuíam ações judiciais ou administrativas sobre o tema antes de tal data.

Embora esse resultado tenha sido mais benéfico do que foi solicitado pela PGFN, fato é que ele limitou o direito de muitos contribuintes que ainda não possuíam ação ajuizada e ficaram, então, impedidos de recuperar quase um ano e meio de pagamentos indevidos.

Por outro lado, esse julgamento ainda não resolveu algumas questões processuais, que terão o desenrolar nos próximos anos, como, por exemplo:

  • se a modulação irá afetar contribuintes que já possuíam ação transitada em julgado antes do julgamento dos embargos de declaração e se a RFB irá impedir ou questionar as compensações já iniciadas por esses contribuintes (o que, a princípio, apenas poderia ser feito pelas vias judiciais próprias);
  • se os contribuintes que possuíam ação transitada em julgado, mas apenas estavam recuperando o PIS/COFINS com base na exclusão do ICMS pago serão afetados pela modulação ao tentar recuperar o crédito adicional com base no ICMS destacado;
  • se os contribuintes que ainda possuíam ação em andamento, apenas aguardando a certificação do trânsito em julgado (i.e. já não havendo julgamento pendente) serão afetados pela modulação de efeitos.

Essas e outras questões a depender das peculiaridades de cada contribuinte ainda poderão surgir e serão objeto de mais alguns anos de discussão.

E o que deverá acontecer?

O julgamento do STF de fato eliminou uma série de incertezas sobre o tema e resultou em uma situação favorável aos contribuintes, ainda que em parte limitado, e embora tenha legado mais de duas décadas.

As Autoridades Administrativas têm evidenciado que irão observar a decisão do STF, o que é de fato positivo no contexto macro do nosso sistema tributário.

No entanto, a existência de questões ainda não totalmente resolvidas, como mencionado acima, mostram que poderemos ter alguns anos de discussão, ainda que a grande maioria dos casos tenda a seguir o curso normal do julgamento favorável dado pelo STF.

Ainda, estamos no início de uma nova etapa de discussões, agora mais direcionada para as questões de apuração e quantificação dos créditos que serão pleiteados administrativa ou judicialmente pelos contribuintes, podendo a RFB iniciar fiscalizações e solicitar documentos para validar os créditos.

Algumas ações possuem mais décadas de tramitação e a dificuldade de localização de toda a documentação exigida pela RFB poderá ser também um tema de discussão nos Tribunais – isto é, qual a documentação mínima para apurar o crédito?

E, por fim, também estamos no início de uma nova etapa (que também levará anos) de discussões de temas decorrentes dessa tese, como por exemplo:

  • Aspectos decorrentes do crédito em si:
    • Em qual momento reconhecer contabilmente e oferecer o crédito à tributação.
    • Qual a tributação incidente sobre esse crédito.
    • Tributação da SELIC incidente sobre o crédito obtido em relação a esse tema.
  • Discussões decorrentes da premissa adotada pelo STF:
    • Quais outros tributos devem ser excluídos das bases de outros tributos.
    • Quais tributos devem ser excluídos de suas próprias bases de cálculo.
    • ICMS-ST, DIFAL, FECOP e outras peculiaridades do ICMS.

É difícil prever os desmembramentos dessa discussão, mas é certo que ela deverá render ainda mais décadas de discussão, fazendo jus ao apelido de tese do século.

Acompanhem o nosso próximo post, e que finalizaremos esse assunto, abordando a posição do Fisco durante essa jornada vista acima e quais os próximos passos a serem adotados pelos contribuintes.

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