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14 August 2025

Defense Readiness Omnibus: A Defesa Como Motor De Reindustrialização

GG
Gama Glória

Contributor

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O Defense Readiness Omnibus e o pacote legislativo que o acompanha representam um sinal claro e credível de que a UE está a enfrentar alguns dos bloqueios estruturais e persistentes que limitam a sua capacidade industrial de defesa.
Portugal Government, Public Sector

O Defense Readiness Omnibus e o pacote legislativo que o acompanha representam um sinal claro e credível de que a UE está a enfrentar alguns dos bloqueios estruturais e persistentes que limitam a sua capacidade industrial de defesa. A simplificação do licenciamento, a revisão das regras de auxílios de Estado e uma postura mais pragmática no licenciamento ambiental são passos iniciais prometedores. No entanto, a reforma efetiva do complexo industrial de defesa exige uma convergência tecnológica mais ampla entre os domínios civil e militar.

Esta perspetiva integrada vem também refletida no Relatório Draghi sobre a competitividade da UE, que aborda a importância do setor da defesa, tanto enquanto forma de garantir a autonomia estratégica perante ameaças externas à segurança, quanto enquanto impulso à inovação através de efeitos de spillover no conjunto do tecido económico.

No entanto, para lá do afinamento regulatório, é essencial uma mudança de fundo na forma como defesa, estratégia industrial e política ambiental se harmonizam. O foco nas tecnologias de dupla utilização, no papel das PME e startups em setores de base, na produção de componentes e na centralidade crescente da política energética e das matérias-primas aponta para uma lógica industrial mais estratificada e realista, que importa consolidar.

Na sua Comunicação ao Parlamento Europeu e ao Conselho, a Comissão Europeia apresentou um quadro estratégico abrangente, com o objetivo de "construir um futuro livre de coerção e agressão". Esta Comunicação integra um esforço transversal mais amplo, impulsionado pela Comissão, que procura "antecipar, prevenir e responder a crises relacionadas com a defesa" num momento crucial de crescente volatilidade geopolítica.

A mensagem do Joint White Paper for European Defense Readiness 2030 (o "White Paper") é clara: "uma nova ordem internacional será formada na segunda metade desta década e além. A menos que moldemos essa ordem — tanto na nossa região como para lá dela — seremos recetores passivos do resultado deste período." Esta mentalidade de tempo de guerra deve ser reorientada para o longo prazo, promovendo sinergias e economias de escala em toda a base tecnológica e industrial europeia criando, desse modo, os alicerces para uma reindustrialização adaptada a tempos de paz.

Defense Readiness na prática

O desenvolvimento de uma política europeia comum de defesa vem há muito evidenciando o delicado equilíbrio entre a preservação da soberania nacional e o aprofundamento da integração, numa área intrinsecamente ligada às funções nucleares do Estado. A defesa continua a ser um dos últimos bastiões da soberania nacional, a par de fiscalidade, educação e saúde e é frequente que esteja regulada por limites constitucionais. De acordo com o White Paper, no âmbito da Agência Europeia de Defesa, desde 2007 que os Estados-Membros estabeleceram como meta comum que 35% do total das aquisições de equipamento de defesa sejam realizadas de forma colaborativa.

Em Portugal, a Constituição prevê especificamente a dissolução de blocos político-militares como garantia de independência militar (artigo 7.º), mas as revisões subsequentes à integração europeia mitigaram esta posição, lendo-se agora no artigo 275.º que "[i]ncumbe às Forças Armadas, nos termos da lei, satisfazer os compromissos internacionais do Estado Português no âmbito militar". São sinais que apontam para um movimento de unificação da política militar mais amplo, agora aprofundado por este pacote legislativo, que pode contribuir para uma integração mais profunda no futuro. Destacamos quatro áreas principais de intervenção:

Licenciamentos: o pacote estabelece um ponto único de contacto em cada Estado-Membro para reduzir encargos administrativos, aumentar a previsibilidade e permitir o arranque mais rápido de projetos. Um mecanismo de via rápida estabelece uma presunção de aprovação caso os prazos decorram sem resposta. Os projetos de prontidão na defesa passam a beneficiar de um tratamento acelerado em todas as instâncias administrativas e judiciais — um ponto crucial para as PME, garantindo rapidez e previsibilidade legal.

Auxílios de Estado: em circunstâncias que caibam no âmbito do artigo 346.º do TFUE, ou seja, quando estejam em causa interesses essenciais de segurança de um Estado-Membro, dispensa-se a notificação à Comissão. A ativação coordenada da National Escape Clause permite flexibilidade orçamental até 1,5% do PIB ao longo de quatro anos. A Comissão sublinha ainda que o auxílio se considera compatível com as regras do mercado interno se não distorcer a concorrência "de forma contrária ao interesse comum". Ainda assim, as fronteiras difusas entre discricionariedade soberana e distorção concorrencial exigem uma cuidada análise jurídica caso a caso.

Contratação pública: a Comissão incentiva os Estados-Membros a suspender direitos aduaneiros sobre equipamento relacionado com a defesa, ao abrigo do Regulamento (UE) 2021/2278. Os limiares de contratação sobem para €900.000 nos contratos de fornecimento e serviços (antes €443.000) e para €7 milhões nos de empreitada (antes €5,5 milhões), assim se reduzindo a burocracia na contratação de menor escala. Entre as novidades estão parcerias para a inovação, procedimentos abertos e um sistema dinâmico de aquisições. A contratação conjunta é incentivada através do relaxamento de constrangimentos em matéria de concorrência e de acordos-tipo de cooperação. Dito isto, será a clareza jurídica — e não apenas a orientação da Comissão — a determinar o nível de adesão.

Licenciamento ambiental: a Comissão apela a uma utilização mais ampla das derrogações existentes por razões de interesse público e segurança para incluir a prontidão de defesa, a par das isenções já estabelecidas para fins militares. Defende um uso mais flexível de derrogações ao abrigo do Regulamento REACH e de outros regulamentos da UE de forma a facilitar o desenvolvimento e a manutenção de materiais de defesa. A sobreposição de regimes de sustentabilidade (CSRD, SFDR, Taxonomia, CSDDD, NFRD, EuGB, entre outros) geram obrigações de reporte redundantes, definições inconsistentes e encargos de conformidade excesso, em especial para as PME. A simplificação é essencial para libertar potencial de inovação e reforçar a competitividade.

O investimento em defesa como estratégia industrial.

A prontidão de defesa assenta numa capacidade industrial robusta e mobilizável, que inclui infraestruturas, mobilidade, comunicações capacidades cibernéticas, bem como ativos e serviços espaciais. As sinergias civil-militares, sobretudo nas tecnologias de dupla utilização, são determinantes para que o investimento orientado para a defesa gere uma efetiva capacidade industrial, sustentável e escalável.

Embora tecnologias de utilização final, como drones, semicondutores e satélites, sejam os exemplos mais visíveis da convergência tecnológica civil-militar, o desenvolvimento de um complexo industrial europeu verdadeiramente soberano e resiliente exige mais do que inovação na fronteira tecnológica. A resiliência industrial a longo prazo depende de capacidade sustentada em áreas estruturantes, como tecnologia de baterias, materiais avançados, engenharia de precisão, segurança energética e acesso a matérias-primas críticas.

As PME e as startups europeias estão bem posicionadas para desempenhar um papel decisivo, não apenas como fontes de inovação, mas também como protagonistas agéis nas novas cadeias de valor industriais. Como se referia recentemente num artigo da The New Yorker, após a Guerra Fria os EUA registaram um acentuado declínio da sua capacidade industrial de defesa, deixando o Pentágono sem fornecedores e menos resiliente. A Europa deve evitar um destino semelhante, integrando um investimento sustentado em I&D na sua estratégia de defesa.

Paralelamente, os esforços da UE para descarbonizar a economia têm gerado fricções regulatórias. A estratégia de liderança pelo exemplo enfrenta limites quando a sobreposição de regras incentiva a deslocalização produtiva e provoca fadiga regulatória. O efeito Not In My Backyard (NIMBY) intensifica a fuga de carbono e as emissões resultantes do transporte global adicional, ao mesmo tempo que enfraquece a criação de emprego interno e compromete a autonomia estratégica da UE.

A agilização do licenciamento e a harmonização dos procedimentos são, por isso, determinantes para reforçar a prontidão industrial. As capacidades de defesa da UE permanecem significativamente atrás das dos Estados Unidos e da China, em parte devido a quadros jurídicos fragmentados e a prazos de aprovação excessivamente longos. É fundamental passar de uma regulação aspiracional para uma execução efetiva.

Perspetivas.

O Defense Readiness Omnibus traduz uma viragem estratégica significativa: da regulação enquanto constrangimento para uma regulação enquanto facilitador. O licenciamento acelerado, a contratação simplificada e o acesso alargado a financiamento público ligado à defesa atenuam algumas das barreiras históricas à entrada de empresas que operam no setor ou em áreas conexas.

Na prática, a execução será determinante. Mantêm-se incertezas jurídicas críticas, em particular em matéria de auxílios de Estado, derrogações ambientais e direito da concorrência. As transposições a nível nacional serão decisivas e poderão definir se estas medidas alcançarão a escala, rapidez e coesão necessárias

A médio prazo, estas mudanças terão impacto para além do ecossistema da defesa. A resiliência industrial, a segurança do aprovisionamento energético e o acesso a matérias-primas passarão a orientar, de forma crescente, o posicionamento estratégico europeu, enquanto a agilidade regulatória poderá revelar-se tão determinante quanto a capacidade técnica, influenciando um vasto leque de agentes.

O plano ReArm Europe procura mobilizar mais de 800 mil milhões de euros para a defesa, através de empréstimos apoiados pela UE e de flexibilização orçamental, ao mesmo tempo que levanta restrições ao financiamento pelo Banco Europeu de Investimento.

A contratação pública e o licenciamento, incluindo o ambiental, tornar-se-ão frentes estratégicas críticas, sobretudo à medida que a Comissão procura racionalizar regimes regulatórios sobrepostos. As PME, as scale-ups e as empresas inovadoras poderão beneficiar de procedimentos simplificados e de mecanismos de via rápida, sendo fundamental o apoio jurídico específico para assegurar a conformidade e a avaliação do risco.

Para que o Omnibus cumpra as suas ambições, será necessário não apenas alinhamento regulatório, mas vontade política sustentada e realismo industrial. As empresas que se envolvam cedo, avaliem a sua exposição e ajustem a estratégia a este novo contexto estarão melhor posicionadas para moldar, e beneficiar, do próximo capítulo industrial da Europa.

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