PARA STJ, MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO NÃO PRECISA DETALHAR O TIPO DE DOCUMENTO A SER APREENDIDO, AINDA QUE DE NATUREZA SIGILOSA

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), no julgamento de um Recurso Ordinário em Habeas Corpus (RHC nº 141.737/PR), decidiu que inexiste exigência legal para que o mandado de busca e apreensão especifique o tipo de documento a ser apreendido, ainda que referido documento seja revestido de natureza sigilosa. No caso concreto, foi realizada busca e apreensão em uma clínica psiquiátrica na cidade de Londrina/PR, para colher documentos que auxiliassem na investigação de grupo criminoso que estaria alterando prontuários médicos para camuflar irregularidades na referida clínica. Na ocasião, foram apreendidos prontuários médicos de inúmeros pacientes.

Os prontuários apreendidos serviram de elementos indiciários para a denúncia de um médico pelos crimes de maus-tratos, sequestro e cárcere privado, além de falsidade ideológica, por, supostamente, participar do grupo criminoso. Diante da manutenção do recebimento da denúncia, a defesa do acusado impetrou habeas corpus  no Tribunal de Justiça do Paraná que, ao ser denegado, deu azo ao Recurso em Habeas Corpus no STJ. Segundo a defesa do denunciado, os prontuários configurariam provas ilícitas e, portanto, nulas, uma vez que não teria havido, na decisão judicial que determinou a busca e a apreensão, a autorização específica para a sua apreensão, ante seu caráter sigiloso.

A despeito disso, de acordo com a maioria da Sexta Turma, não haveria nulidade nas referidas provas. Isso porque a ausência de discriminação específica do documento no mandado de busca e apreensão é irrelevante, já que na decisão que autorizou a medida foi determinada a apreensão de todos os documentos que tivessem relação com os fatos. Ademais, segundo a decisão do STJ, não há qualquer exigência legal para que a decisão que autoriza a busca e apreensão deva detalhar o tipo de documento a ser apreendido, mesmo quando se tratar de documento sigiloso. Ainda, foi frisado que o sigilo dos prontuários médicos pertence exclusivamente aos pacientes, e não ao médico. Assim, se houvesse violação ao direito à intimidade, tal violação deveria ser questionada por seus titulares e não pelo denunciado.

Por fim, é importante salientar que o mérito da decisão, ainda que controverso, está amparada em jurisprudência pacífica do próprio STJ e do Supremo Tribunal Federal (“STF”). No caso do STJ, já se decidiu que “o artigo 243 da Lei Processual Penal disciplina os requisitos do mandado de busca e apreensão, dentre os quais não se encontra o detalhamento do que pode ou não ser arrecadado” (HC nº 524.581/RJ). De outro lado, o STF decidiu que “dada à impossibilidade de indicação, ex ante  [anterior] de todos os bens possíveis de apreensão no local da busca, é mister conferir-se certa discricionariedade, no momento da diligência, à autoridade policial” (PET nº 5173/DF).

TRF-3 AUTORIZA QUE INVESTIGAÇÃO DEFENSIVA REALIZADA PELOS ADVOGADOS DE UM ACUSADO COLHA PROVAS EM EMPRESA PRIVADA

A 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (“TRF-3”) decidiu que a investigação defensiva, enquanto expediente desenvolvido por advogados para reunir evidências probatórias que permitam fundamentar teses favoráveis aos seus assistidos, possui amparo constitucional e deve ser respaldada pelo Judiciário.

No caso concreto, uma pessoa denunciada na esfera federal por crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e tráfico de influência, além de ser investigada em outros Inquéritos Policiais, requisitou a uma determinada empresa privada o acesso a documentos que seriam úteis à sua defesa. No entanto, diante da ausência de resposta da referida empresa, tal pessoa ajuizou uma Ação de Obrigação de Fazer, que acabou sendo extinta sem análise de mérito, uma vez que o Juízo Criminal de 1º Grau entendeu que a Justiça Federal não possuía competência para julgar a questão e que a demanda se assemelhava a um pedido de natureza civil, como a Ação de Exibição de Documento ou Coisa, conforme previsto nos artigos 396 e seguintes, do Código de Processo Civil. Diante disso, sua defesa interpôs recurso de apelação ao TRF-3.

No julgamento da apelação, a 5ª Turma do TRF-3 reformou a sentença de 1º Grau para que fosse dado prosseguimento à Ação de Obrigação de Fazer. Na ocasião, o Relator do recurso, Desembargador Federal Mauricio Kato, sustentou que a investigação defensiva é uma forma de materializar os princípios da paridade de armas, da igualdade, da ampla defesa e do contraditório, de modo que tanto a acusação quanto a defesa tenham o poder de influenciar o julgador, permitindo que não somente o Ministério Público, mas também a defesa possa comprovar suas teses por meio de provas produzidas em um legítimo e devido processo legal.

Além disso, a 5ª Turma do TRF-3 reconheceu que o Provimento nº 188/2018, do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, regulamenta a investigação defensiva, fornecendo aos advogados regras e orientações sobre o seu procedimento. Nesse sentido, os desembargadores fixaram entendimento de que o juízo criminal em que tramitam as ações penais ou inquéritos policiais é competente para apreciar questões relacionadas a investigações defensivas.

Por fim, é importante destacar que a decisão do TRF-3 representa um importante avanço ao reconhecimento da investigação defensiva, que cada vez mais vem demonstrando a sua relevância para se atingir o devido processo penal em um Estado Democrático de Direito, no qual ambas as partes devem possuir as mesmas condições de provar suas teses. No entanto, deve-se destacar que referido entendimento ainda precisa ser disseminado nos demais tribunais brasileiros, federais e estaduais. Além disso, é necessário que a investigação defensiva seja objeto de regulamentação legal, de modo que seu reconhecimento e aplicabilidade não demande a discricionariedade do Juízo responsável em cada caso concreto.

STJ DECIDE QUE É LÍCITO O COMPARTILHAMENTO, POR AUTORIDADES ESTRANGEIRAS COM AUTORIDADES BRASILEIRAS, DE INFORMAÇÕES BANCÁRIAS OBTIDAS SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO JUDICIAL E SEM OBSERVÂNCIA AO TRATADO BILATERAL FIRMADO ENTRE OS PAÍSES

A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) decidiu que é lícito o compartilhamento de informações bancárias obtidas sem prévia autorização judicial por autoridades estrangeiras com autoridades brasileiras e sem observância ao Acordo de Assistência Judiciária em Matéria Penal celebrado entre os Estados Unidos da América (“EUA”) e o Brasil, conhecido como Mutual Legal Assistance Treaty ­– MLAT, e que veio a ser incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro pelo Decreto nº 3.810/2021.

No caso concreto, um homem foi condenado pelo crime de evasão de divisas com base em informações bancárias de instituição financeira estadunidense enviadas diretamente pela Procuradoria Distrital de Nova Iorque (EUA) às autoridades brasileiras, por determinação da respectiva Suprema Corte estadual.

Segundo a defesa da pessoa condenada, as provas seriam ilícitas, uma vez que foram obtidas em desconformidade com o procedimento do MLAT. Desse modo, caberia à autoridade central brasileira – qual seja, o Ministério da Justiça – solicitar à autoridade central norte-americana o envio dos dados almejados. Do mesmo modo, alegou a defesa que a obtenção das informações bancárias pelas autoridades estadunidenses ocorreu de modo ilícito, já que não contaram com prévia decisão judicial da autoridade estrangeira.

De acordo com o Ministro Relator, Ribeiro Dantas, a não observância do MLAT, por si só, não tornaria as provas ilícitas. De acordo com o Ministro, em uma interpretação sistêmica dos dispositivos do MLAT, o acordo busca desburocratizar a cooperação jurídica internacional em matéria penal, uma vez que permite a utilização de qualquer outra forma de assistência cabível e não proibida pelas leis dos Estados envolvidos.

Ainda segundo o Ministro Relator, não haveria no MLAT quaisquer regras de validade da produção probatória – regras, estas, previstas no ordenamento jurídico de cada Estado. A esse respeito, Ribeiro Dantas salientou que a obtenção das informações bancárias pela Procuradoria Distrital novaiorquina não exige prévia autorização judicial, conforme a própria legislação local. Dessa forma, as provas não poderiam ser consideradas ilícitas.

Embora o entendimento da Quinta Turma do STJ esteja amparado em outras decisões do Tribunal, é importante estabelecer parâmetros legais mais sólidos para aplicação de instrumentos de cooperação jurídica internacional. Da forma como os tribunais brasileiros têm interpretado o MLAT, sua aplicação fica esvaziada, já que sempre haverá um meio menos burocrático – não previsto em lei e compreendido como lícito – para a obtenção da dados e informações cujo sigilo e outros direitos, apesar de não serem protegidos pelas legislações estrangeiras, são tidos como fundamentais pela Constituição brasileira.

APROVADA NOVA LEI QUE AUMENTA PENAS PARA CRIMES COMETIDOS POR MEIOS ELETRÔNICOS

Foi sancionada, no último 27 de maio, a Lei nº 14.155/2021, que altera o Código Penal para aumentar a pena de crimes cometidos por meio eletrônico ou pelo uso da internet. Dentre os crimes que tiveram suas penas aumentas, encontra-se o crime de violação de dispositivo informático (art. 154-A), o furto (art. 155) e o estelionato (art. 171).

No caso do crime de invasão de dispositivo informático para a obtenção de vantagem ilícita, antes da nova lei, a conduta era punida com uma pena de detenção de 03 meses a 01 ano, além da multa. Isso fazia com que a conduta fosse tratada como crime de menor potencial ofensivo, admitindo-se a possibilidade de celebração de transação penal, conforme artigo 76 da Lei nº 9.099/95.

Agora, com a nova lei, a pena será de reclusão – passando a admitir sua execução em regime fechado -, de 01 a 04 anos e multa (caput). Caso se verifique prejuízo econômico à vítima, a pena, que antes era aumentada de um sexto a um terço, poderá ser aumentada de um a dois terços (§ 2º). Ainda, se da invasão for obtido conteúdo de comunicações eletrônicas privadas, segredos comerciais ou industriais, informações sigilosas ou o controle remoto não autorizado do dispositivo invadido, a pena, antes de reclusão de 06 meses a 02 anos e multa, agora será de 02 a 05 anos, além da multa (§ 3º).

Com relação ao crime de furto, a Lei nº 14.155/2021 introduziu no § 4º-B uma nova espécie de furto qualificado que dispõe que “se o furto mediante fraude é cometido por meio de dispositivo eletrônico informático, conectado ou não à internet, com ou sem violação de mecanismo de segurança ou a utilização de programa malicioso, ou por qualquer outro meio fraudulento análogo”, a pena será de reclusão de 04 a 08 anos, e multa. Ademais, referida pena poderá ser aumentada (§ 4º-C) de um a dois terços, se o crime for praticado com a utilização de servidor mantido no exterior (inciso I); e de um terço ao dobro, se o crime é praticado contra idoso ou vulnerável (inciso II).

Quanto ao crime de estelionato, a lei sancionada incluiu uma nova conduta intitulada “fraude eletrônica” (§ 2º-A), com pena de 04 a 08 anos, além de multa, se a fraude (estelionato) é cometida com i) a utilização de informações fornecidas pela vítima ou por terceiro induzido a erro por meio de redes sociais, ii) contatos telefônicos ou envio de e-mail fraudulento, ou iii) qualquer outro meio fraudulento análogo, a pena será de reclusão de 04 a 08 anos, além da multa, havendo aumento de pena de um terço ao dobro se o crime for praticado contra idoso ou vulnerável (§ 4º). Do mesmo modo que no furto, a pena será aumentada de um a dois terços se o crime for praticado com o uso de servidor mantido fora do território nacional (§ 2º-B).

Não há dúvida de que a sanção da Lei nº 14.155/2021 representa uma resposta à intensificação da criminalidade cibernética, que tem afetado, sobretudo patrimonialmente, milhares de pessoas todos os anos, além de grandes corporações.

No entanto, é importante notar que a escolha pelo aumento de pena como primeira e única política tem se mostrado ineficaz para a pretendida redução da criminalidade. Muito provavelmente, a medida mais efetiva seria a criação de novas políticas públicas destinadas a preparar e alertar a população sobre os diversos tipos de fraudes cibernéticas, bem como fornecer o necessário aprimoramento da Polícia Investigativa (Polícia Civil e Polícia Federal) para que seja possível a identificação e neutralização desse tipo de criminalidade.

STJ ADMITE ENVIO DE DADOS DA RECEITA FEDERAL AO MINISTÉRIO PÚBLICO MESMO SEM REPRESENTAÇÃO FISCAL PARA FINS PENAIS E PRÉVIA AUTORIZAÇÃO JUDICIAL

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) decidiu que é lícito o compartilhamento de dados sigilosos pela Receita Federal, por requisição do Ministério Público, sem prévia autorização judicial. No caso concreto, duas pessoas foram denunciadas pelos crimes de sonegação fiscal e de sonegação de contribuição previdenciária, com base em extratos bancários obtidos pela Receita Federal, de instituições financeiras, e compartilhados com o Ministério Público Federal, após sua requisição.

A denúncia foi rejeitada pelo Juízo de 1º Grau, que entendeu ser a obtenção dos referidos documentos ilícita, uma vez que não houve representação fiscal para fins penais pela Receita Federal e que os dados bancários foram obtidos pelo Ministério Público por requisição direta ao Fisco, sem prévia autorização judicial. No entanto, a Ação Penal foi retomada após o provimento de Recurso em Sentido Estrito interposto pelo Ministério Público Federal. Diante da situação, a defesa dos denunciados impetrou Habeas Corpus no STJ.

Na ocasião do julgamento, a Ministra-Relatora, Laurita Vaz, sustentou que o STF decidiu ser constitucional o compartilhamento, pela Receita Federal, da íntegra de procedimentos fiscalizatórios que definem o lançamento do tributo, com os órgãos de persecução penal para fins criminais, sem prévia autorização judicial (RE nº 1.055.941 RG/SP). A Ministra também sustentou que o art. 83 da Lei nº 9.430/96 – que dispõe sobre a legislação tributária federal – prevê que o Fisco encaminhará a representação fiscal para fins penais ao Ministério Público, após a decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência do crédito tributário correspondente.

Além disso, a Ministra sustentou de maneira análoga, com base em outro precedente do STF (AgRG no RE nº 1.058.429/SP), que, se a legislação determina que os órgãos administrativos como o COAF e a Receita Federal comuniquem às autoridades competentes para a instauração dos procedimentos cabíveis (como o Ministério Público), quando diante da possível existência de, seria contraditório impedir o órgão ministerial de solicitar a esses órgãos administrativos informações pelos mesmos motivos.

De outro lado, divergiu o Ministro Sebastião Reis Júnior. Segundo o Ministro, no julgamento do RE nº 1.055.941 RG/SP, o STF autorizou somente o compartilhamento de ofício pelo Fisco, de modo a permanecer ilegal o compartilhamento requisitado pelo Ministério Público sem prévia autorização judicial. Nesse sentido, o Ministro Sebastião Reis Júnior cita passagem do julgado do STF, no qual o Ministro Luís Roberto Barroso sustenta que “[o] Ministério Público não pode requisitar à Receita Federal, de ofício, ou seja, sem tê-las recebido, da Receita, informações protegidas por sigilo fiscal. Nesse caso, impõe-se autorização judicial”.

Apesar dos relevantes argumentos levantados pela maioria da Sexta Turma, o entendimento fixado se mostra equivocado. Isso porque, no presente momento e até que seja proferida eventual decisão do STF em sentido contrário, o Ministério Público terá carta branca para, sob qualquer pretexto, obter informações bancárias e contábeis pelo Fisco, em total violação a direitos fundamentais, como o sigilo bancário e fiscal de cidadãos brasileiros, o que certamente resultará em inúmeros abusos.

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