Erro de cobrança na fatura do serviço de
telefonia, reclamação de cliente sobre atendimento,
descumprimento de instalação de orelhões em
pequenas cidades do Brasil. As infrações cometidas
pelas empresas de telefonia já se converteram em pelo menos
R$ 1,23 bilhão em multas aplicadas pela Agência
Nacional de Telecomunicações (Anatel) entre o
início de 2014 e julho deste ano. No entanto, a
agência só conseguiu recolher, de fato, um quarto
disso: R$ 315,6 milhões.
De acordo com um relatório do Tribunal de Contas da
União (TCU), a Anatel tem uma das piores
relações entre as multas aplicadas e a
arrecadação. No documento, do fim de 2017, a Anatel
figura na 12ª colocação entre 14 agências.
Tem situação melhor apenas do que as do Banco Central
e da Susep (reguladora da área de seguros).
Só entre janeiro e julho deste ano, a Anatel aplicou R$ 418
milhões em multas. Com o volume acumulado até agora,
a agência deve registrar o maior valor em
autuações desde 2014, quando foram aplicadas
penalidades que somaram R$ 468,9 milhões. O valor
efetivamente pago pelas operadoras também subiu este ano,
mas ainda é bem mais baixo do que o das multas aplicadas.
Foram R$ 118,55 milhões arrecadados entre janeiro e julho
deste ano, mas parte do montante é referente a multas
aplicadas em anos anteriores.
DISPUTA JUDICIAL DE 10 ANOS
Isso acontece porque as empresas de telecomunicações
vêm recorrendo das multas aplicadas pela Anatel, dizem
especialistas. Em muitos casos, os recursos administrativos
apresentados à agência vão parar na
Justiça, podendo levar até dez anos para que uma
companhia autuada pague a multa. Esse cenário é
apontado por advogados como um dos fatores que impedem a melhoria
na qualidade dos serviços prestados. Do outro lado, as teles
criticam o valor alto das multas e obrigações de
cobertura para serviços em desuso, como a telefonia
fixa.
Segundo os balanços financeiros de Oi, Telefônica,
Claro e TIM, os processos administrativos abertos pela Anatel,
assim como os processos judiciais que discutem essas
sanções, envolviam quase R$ 21 bilhões no fim
de 2017. As empresas com mais multas em discussão coma
Anatel são justamente as concessionárias de telefonia
fixa Oi e Telefônica, com R $14,5 bilhões e R $ 5
bilhões, respectivamente.
—Em vez de induzir o bom comportamento das empresas coma
melhor prestação de serviços, as multas se
transformam em longos processos —diz Robson Barreto, sócio do Veirano
Advogados.
O volume de sanções reflete a
insatisfação dos consumidores. A Anatel diz ter
recebido 3,4 milhões de reclamações só
no ano passado. Para Gustavo Kloh, professor da FGV Direito Rio,
é necessário alterara legislação para
que a Anatel e outras agências reguladoras do país
tenham o poder de aplicar multas administrativas fortalecido, sem
que isso vá para a Justiça:
— As empresas dizem que o valor das multas é alto como
forma de travar o processo e levar a discussão para a
Justiça. Essa situação não existe no
exterior. Não há revisão de multa
administrativa na esfera judicial em países da Ásia e
da Europa ou nos EUA. A consequência é que, aqui,
não conseguimos ter um serviço de qualidade.
SEM ACORDO
Por outro lado, especialistas avaliam que a Anatel precisa melhorar
seus procedimentos para que as multas sirvam para aumentar o volume
de investimentos no setor de telecomunicações. Rafael
Zanatta, do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec),
cita o fracasso dos Termos de Ajustamento de Conduta (TACs), como o
da Telefônica, que trocaria multas de R$ 3 bilhões por
investimentos de R$ 5,4 bilhões em banda larga:
— O acordo foi contestado pelo TCU. A escolha dos
municípios para receber fibra ótica enfrentou
resistência por já ter empresas locais oferecendo o
serviço por lá.
Rafael Pistono, do Vinhas e Redenschi Advogados, acredita que os
TACs só funcionarão quando o governo atualizar a Lei
Geral de Telecomunicações, permitindo mais
investimentos em banda larga:
—A economia digital precisa de maior cobertura, e o modelo
regulatório não reflete isso. Como muita coisa vai
para a Justiça, as teles precisam fazer provisões de
recursos referentes a multas. Esses valores poderiam ser
investidos.
Dos R$ 418 milhões de multas aplicadas neste ano, cerca de
R$ 400 milhões se referem à Telefônica por
não ter conseguido celebrar o TAC com a Anatel. José
Leça, diretor de Assuntos Jurídicos e
Regulatórios da Telefônica, avalia que o valor da
multa é desproporcional. Para ele, falta critério
à Anatel. A agência não quis comentar.
—Do total de multas aplicadas neste ano, uma de R$ 370
milhões se refere a 50 infrações, como
qualidade e direito de usuário. Durante a reunião do
Conselho da Anatel, um diretor calculou o valor das multas em R$ 25
milhões, e os outros, em R$ 370 milhões —diz
Leça. —Como não concordamos com o valor,
levamos à Justiça. Pagamos quando estamos errados e
questionamos quando não concordamos.
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