O termo investidor-anjo, com origem nos indivíduos abastados que, no início do século XX, patrocinavam peças da Broadway, atualmente designa o investidor com relevante capacidade financeira que fornece recursos e conhecimento para um número significativo de empresas inovadoras em estágio inicial, comumente conhecidas como startups.

Enquanto nos Estados Unidos os anjos usualmente investem por meio de títulos de dívida conversíveis em participação acionária ou de ações preferenciais, no Brasil eles tiveram que adaptar tais instrumentos. Aqui a maioria das startups é constituída sob a forma de sociedade limitada, tipo societário melhor adequado às empresas de menor porte. Tendo em vista que várias das Juntas Comerciais consideram ilegal a emissão de títulos de dívida por tais sociedades, e que se entende que uma limitada não pode emitir "quotas preferenciais", os anjos em geral terminam estruturando seus investimentos por meio de contratos de empréstimo ou da aquisição de quotas, com as obrigações e riscos daí resultantes.

Não bastassem os obstáculos decorrentes da adoção desse tipo societário, ao adquirir participação no capital de startup, o anjo corre o risco de vir a ser responsabilizado por dívidas da empresa graças ao uso pouco ortodoxo por parte de alguns juízes do instituto da desconsideração da personalidade jurídica. Além disso, a própria legislação impõe barreiras para o investimento-anjo em startups.

É muito comum que startups que se enquadrem como micro ou pequenas empresas busquem se beneficiar do regime tributário diferenciado instituído pela Lei Complementar 123/06 (Simples). A LC 123/06, contudo, impõe certas restrições às empresas que podem se enquadrar no Simples. Além de não poderem ser sociedades anônimas, tais empresas não poderão ter como sócios: (i) pessoa jurídica; (ii) pessoa domiciliada no exterior; ou (iii) pessoa física que seja inscrita como empresário ou seja sócia de outra empresa que se beneficie do Simples, ou que possua mais de 10% do capital de sociedade não beneficiada pelo Simples, ou que seja administrador de outra pessoa jurídica com fins lucrativos, desde que, em qualquer desses casos, a soma das receitas brutas dessas empresas exceda R$ 4,8 milhões. Essas restrições, acrescidas ao fato de que os anjos costumam investir em dezenas de empresas, em muito dificultavam que as MEs e EPPs obtivessem aportes de anjos.

Esse quadro, felizmente, evoluiu. No final do ano passado, foi sancionada a Lei Complementar 155/16, que, ao alterar a LC 123/06, criou nova modalidade de investimento-anjo em MEs e EPPs.

Segundo a nova Lei, os investidores-anjo poderão investir nas MEs e nas EPPs por meio de "Contratos de Participação", sem que tal aporte integre o capital social da sociedade investida. O investidor-anjo poderá participar dos resultados da micro ou pequena empresa sem ser seu sócio. Essa possibilidade de investimento traz pelo menos duas consequências relevantes.

A primeira, prevista na Lei, é que o anjo não será responsabilizado pelas dívidas da empresa, ainda que em recuperação judicial, não se aplicando a ele o art. 50 do Código Civil que trata da desconsideração da personalidade jurídica. Nessa linha, como determinado pela Lei, o anjo não deverá ter direito "a gerência ou voto na administração da empresa".

A outra consequência, que nos parece ser o principal ponto positivo da nova Lei, é que os anjos, mesmo que residentes no exterior – uma vez que a Lei não proíbe tais aportes via Contrato de Participação –, poderão investir em mais de uma ME ou EPP, sem correr o risco de que essas empresas percam o benefício do Simples em vista das restrições acima referidas.

Há, por certo, diversas características do Contrato de Participação previstas na LC que deverão ser consideradas pelo investidor-anjo, incluindo a limitação de seu prazo de validade, do montante da remuneração e dos haveres em caso de resgate. Há, também, inúmeras incertezas sobre a nova Lei, incluindo em relação ao regime tributário aplicável a tal modalidade de investimento (objeto de minuta de instrução normativa submetida à Consulta Pública RFB nº 15/2016), à possibilidade de conversão do aporte em participação societária e de o anjo ter alguns poderes de veto. Também há dúvidas a respeito da forma de implementação do direito de venda conjunta do aporte que, segundo a Lei, deverá se dar nos mesmos termos ofertados aos sócios por suas quotas, não obstante as características e valores distintos de tais investimentos. Alguns desses aspectos exigirão regulamentação da Lei enquanto outros, em alguma medida, poderão ser objeto de acerto contratual.

Não obstante, ao permitir que o investidor-anjo invista em diversas MEs e EPPs ao mesmo tempo, podendo auferir remuneração atrelada aos lucros de tais empresas, sem o risco de desenquadramento destas do Simples, a LC 155/16 representa um enorme passo rumo a um mercado brasileiro de startups mais desenvolvido.

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