Com a crise de racionamento de 2001, o modelo então adotado para a sistema elétrico mostrou-se ineficaz para garanti os principais objetivos de qualquer serviço público, qual sejam, a confiabilidade de suprimento, modicidade tarifária e universalidade.1

Dessa forma, foi implementado um novo modelo - chamado por alguns de novíssimo modelo2 - que teve como marco regulatório a Medida Provisória nº 144, de 11/12/2003, convertida na Lei 10.848, de 15/03/2004.

Contudo, atualmente estão sendo editadas normas que alteram substancialmente esse modelo, as quais pretendemos sintetizar abaixo.

Portaria MME 455, de 02/08/2012 - Registro de Contratos de Compra e Venda de Energia no ACL

A Portaria MME 455, de 02/08/2012 dispõe sobre o registro de Contratos de Compra e Venda de Energia Elétrica firmados no Ambiente de Comercialização Livre - ACL.

A Portaria em questão cumpre duas funções primordiais: (i) acabar o registro de contratos ex post (artigo 2º da Portaria) e (ii) viabilizar a obtenção de informações sobre o preço da energia negociada no ACL, a fim de propiciar à CCEE elementos para calcular e divulgar indicadores mais transparentes e eficientes para o mercado (artigo 3º da Portaria).

Necessárias algumas explicações sobre as questões enfrentadas na Portaria em comento.

Como é sabido, todos os contratos de comercialização de energia elétrica, sem embargo do ambiente em que inserido - ACR ou ACL, devem ser registrados perante a CCEE, conforme dispõe o Decreto 5.163, de 30/07/2004.

A questão do registro foi tratada em três momentos diferentes, a fim de permitir que o mercado se adapte gradativamente às novas regras.

Antes do advento da Portaria MME 455, de 02/08/2012 e até 01/11/2012 (data por ela estipulada), o registro de contratos de compra e venda de energia negociados no ACL deveriam ser registrados até o mês seguinte ao mês de suprimento (MS+9du) - o chamado registro ex post - , sendo que a quantidade de energia para determinado mês poderia sobre ajuste após a verificação de consumo até o 11º dia útil ao mês seguinte ao suprimento (MS+11du). Esse registro era feito mensalmente perante a CCEE.

Após 01/11/2012 até 30/06/2013, os contratos de compra e venda de energia elétrica negociados no ACL devem ser registrados antes do mês de suprimento - passando o registro a ser ex ante -, podendo contudo haver o ajuste após a verificação do consumo. Nesse período, os registros dos contratos também devem ser mensais.

E, finalmente, a partir de 01/07/2013, os contratos devem ser registrados antes do suprimento - ex ante, portanto - e os montantes contratados também só podem ser alterados antes do início do suprimento, passando a periodicidade de registro perante a CCEE a ser semanal.

Essa alteração visa a atender duas finalidades: acabar com as distorções e abusos verificados com o registro de contrato ex post e tornar o mercado mais eficiente, como ocorre em mercados estrangeiros, onde um registro com menor periodicidade permite a correção de registros de contratos não relacionados com o consumo/fornecimento verificado.

A outra alteração profunda trazida pela Portaria MME 455, de 02/08/2012 consiste na necessidade de as partes, quando do registro dos contratos de compra e venda de energia no ACL, além das informações já antes requeridas (montante de energia, período de fornecimento etc) passarem a informar também o preço da energia, o que passa a ser exigido a partir de 01/07/2013.

Tal exigência foi justificada como uma medida para dar mais transparência e eficiência ao ACL, pois a CCEE poderia calcular e divulgar um índice de preço da energia praticada no ACL, assegurando, assim, a simetria entre os ambientes de negociação (o ACR possui a tarifa regulada e o MCP possui o PLD) e tornando o ACL mais atrativo, dada a maior transparência.

Cumpre lembrar que a informação de preço é tratada pela Portaria MME 455, de 02/08/2012 como confidencial, só podendo ser conhecida pela CCEE.

Esse aspecto da Portaria vem sendo muito criticado, sob a argumentação de que a imposição de informação do preço negociado fere uma das principais características do ACL, qual seja a liberdade de negociação com a estipulação livre de preços, já que se terá uma indexação deles pela CCEE, ou seja, uma forma, ainda que indireta, de intervenção de órgãos institucionais no mercado.

Outra crítica trazida à referida Portaria é o fato de o Ministério de Minas e Energia, órgão que exerce atividade de governo, dispor sobre matéria técnica de comercialização de energia, que deveria ser regulamentada pelo órgão técnico (artigo 3º, XIV da Lei 9.427/1996).

Lei 12.767, de 27/12/2012 (conversão da MP 577/12) - Intervenção em Concessionárias de Serviço Público

A Lei 12.767, de 27/12/2012, dispõe basicamente sobre dois aspectos: (i) extinção da concessão e a prestação temporária de serviço público de energia elétrica e (ii) intervenção em concessionárias de serviço público de energia elétrica para a adequação da prestação do serviço.

O primeiro aspecto não traz disposições de maior controvérsia, uma vez que regula apenas a forma de prestação temporária do serviço público de energia elétrica em caso de caducidade ou falência ou extinção da concessionária.

Já o segundo aspecto trouxe vários debates sobre a questão de intervenção da ANEEL em concessionárias de energia elétrica para assegurar a prestação adequada do serviço e o cumprimento das normas contratuais e legais pertinentes.

A intervenção não é novidade, pois já prevista na Lei 8.987, de 13/02/1995, que dispõe sobre a possibilidade de intervenção para assegurar e adequar a prestação do serviço público e o fiel cumprimento do contrato e da legislação aplicável em seus artigo 32 a 34. De diferente, a Lei ora em comento apenas detalhou o procedimento da intervenção.

As importantes inovações por ela trazidas, motivada por situações concretas de concessionárias, seriam (i) impossibilidade de a concessionária submeter-se ao regime da recuperação judicial e extrajudicial durante a vigência da concessão, bem como (ii) indisponibilidade dos bens dos administradores das concessionárias durante a intervenção ou em caso de extinção da concessão em razão de caducidade ou falência ou liquidação da concessionária, até que se apure as reais responsabilidades deles.

A segunda invocação, em especial, vem causando desconforto no mercado, tendo sido encarada como espécie de "punição cautelar" durante as intervenções, sem que nada possam fazer até que as responsabilidades sejam apuradas, o que pode durar mais de 2 anos.

Lei 12.783, de 11/01/2013 (conversão da MP 579/12) - Renovação de Concessões

Talvez a mais comentada alteração do setor seja aquela decorrente da Lei 12.783, de 11/01/2013, que dispõe sobre a renovação das concessões de serviços de energia elétrica, além. de dispor sobre a redução da tarifa.

Desde a edição da MP 579/12, de cunho fortemente político, muito se criticou as disposições nela contidas, questionando-se a sua constitucionalidade por ter veiculado a matéria em questão via medida provisória (afastando, inclusive, sua discussão prévia no congresso) e por renovar concessões que já teriam sido prorrogadas por uma vez.

De qualquer maneira, ela foi convertida em Lei e traz profundas alterações ao modelo de mercado hoje vigente no país.

A primeira grande alteração foi quanto à renovação das concessões de serviços de geração de energia elétrica, que dependida da aceitação de uma série de condições pelas concessionárias postulantes à renovação.

Entre essas condições, está o chamado sistema de cotas, no qual cotas da garantia física das concessionárias renovadas seriam destinadas à distribuidoras de energia elétrica, que passariam a ser remuneradas apenas pelo custo de operação e manutenção (O&M), já que receberiam indenizações pelos investimentos não amortizados feitos aos bens afetos ao serviço público prestado. Essa redução seria repassada ao consumidor cativo, mediante redução da tarifa da energia elétrica.

Muitas críticas foram feitas a esse sistema, que inclusive, acabou criando um gerador "especial" já que não se enquadrava nas definições dos agentes do setor trazidas pelo Decreto 5.163, de 30/07/2004.

Além disso, criticou-se também as consequências não discutidas desse sistema, como o fato de criar situações não previstas para as geradoras que não aderiram à renovação e, portanto, não se submeteram às condições para ela previstas. Fato que foi, de certa forma, corrigido pela Portaria MME 117, de 05/04/2013.

A mesma renovação foi possibilitada para as transmissoras, que tiveram seus investimentos nos ativos não amortizados indenizados, passando a adotar uma tarifa baseada na O&M. Frise-se que a questão da indenização das transmissoras, que havia considerado todos os bens existentes em 31 de maio de 2000 amortizados, gerou tamanho desconforto e grande pressão sobre o governo, que sua previsão foi corrigida pela Medida Provisória 591, de 29/12/2012.

Outra profunda alteração trazida pela Lei em comento foi a redução da tarifa de energia elétrica, via redução de encargos, como, por exemplo, a exclusão do pagamento da Reserva Global de Reversão - RGR para alguns agentes do setor.

Essa redução traz uma crítica que é a insegurança a e falta de previsibilidade do custo da energia elétrica a longo prazo, já que os encargos seriam destinados à futura manutenção do sistema.

A Lei em questão trouxe outras importantes alterações como a possibilidade de cessão de excedentes por consumidores livres e a majoração do prazo para o retorno de consumidores especiais para o ACR, nenhuma delas livre de críticas e muitas criadoras de certo desconforto a agentes do setor.

Resolução ANEEL 531, de 21/12/2012 - Alteração da metodologia de Cálculo das Garantias Financeiras

Para que um agente possa negociar energia no âmbito da CCEE, ele deve aportar garantias financeiras que mitiguem, de certa forma, o risco de uma possível exposição no MCP (a chamada operação a short).

Para acabar ou pelo menos mitigar "brechas" que o sistema anterior de aporte de garantias possuía, entre outras alterações, inovou-se ao criar a responsabilidade do comprador de energia pela idoneidade e cumprimento do contrato pelo vendedor.

Isso porque, caso a garantia prestada pelo vendedor não seja suficiente para a venda por ele efetivada, o seu contrato de venda registrado será ajustado para corresponder à garantia prestada. O comprador deverá buscar forma de recompor o seu lastro diminuído com o ajuste feito pela CCEE. Ou seja, o montante de energia vendido por um agente será reduzido para equivaler à garantia por ele prestada, caso ela seja insuficiente para a venda realizada, sendo que o comprador terá que suportar as consequências dessa redução, inclusive uma eventual exposição no MCP (posição short).

Essas alterações e uma série de outras que ainda serão implementadas, como a imposição de uma instituição financeira garantidora do limite operacional do agente e a instituição de um fundo garantidor do mercado elétrico, aproxima esse mercado da sistemática hoje adotada por mercados de capitais.

Resolução CNPE 3, de 06/03/2013 - Pagamento do custo decorrente do despacho de usinas fora da ordem de mérito em razão da segurança energética

O ONS pode despachar usinas fora da ordem de mérito para garantir a segurança energética do sistema, ou seja, usinas que tenham um custo de geração maior (normalmente termoelétricas) podem ser acionadas, a fim de garantir o suprimento de energia a todo país e preservar os reservatórios de água.

Uma das hipóteses que impõe tal atuação pelo ONS é um grande período de estiagem que comprometa os reservatórios de usinas hidrelétricas (normalmente com baixo custo de geração), como o enfrentado no final de 2012 e início de 2013.

Para tanto, com a resolução em comento, o CNPE decidiu provisoriamente repartir os custos dos despachos das usinas termoelétricas, fazendo com que ele seja arcado através de Encargo de Serviço do Sistema - ESS (50% dele), inclusive, impondo que os geradores passem a pagar esse encargo (antes pago apenas no âmbito do ACR e pelos consumidores livres) e pela diferença entre os recém criados PLD1 e o PLDfinal (outros 50%).

O PLD1 é utilizado para os agentes que negociem sobras no MCP (long), ou seja, que tenham vendido toda a energia que possuem para determinada liquidação. Nesse PLD não são considerados os custos extras decorrentes da geração de energia em decorrência dos despachos de usinas para a garantia da segurança energética.

Já o PLDfinal é utilizado para agentes que ficaram expostos (short) no MCP, ou seja, agentes que venderam mais energia do que possuíam. Nesse valor estariam incluídos os custos da energia gerada por usinas despachadas fora da ordem de mérito.

Essas são algumas das várias alterações recentemente introduzidas no sistema elétrico brasileiro desde a instituição do atual modelo e que trouxeram importantes alterações, gerando muitas críticas e que tem potencial de trazer grandes consequências ao setor, sejam elas boas ou ruins. O tempo dirá.

Footnotes

1. Nesse sentido: TOLMASQUIM, Maurício T. Novo Modelo do Setor Elétrico Brasileiro, Synergia Editora, 2011, p. 21 e seguintes.

2. PACHECO, Adriane Cristina Spicciati. A Contratação da Compra e Venda de energia Elétrica pelas Concessionárias de Distribuição inRegulação Jurídica do Setor Elétrico, Coordenação LANDAU, Helena.,Lumen Juris Editora, 2006, p. 377

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