A indústria de private equity – no Brasil representada principalmente pelos fundos de investimento em participações (FIP) e pelos fundos de investimento em cotas de fundos de investimento em participações (FICFIP) – tem se mostrado de grande importância para o desenvolvimento de empresas brasileiras e do mercado de capitais. Dados recentes disponibilizados pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) indicam que apenas a indústria de FIPs e de FICFIPs concentra patrimônio líquido próximo dos R$ 200 bilhões.

Riscos de natureza política e econômica, como a recente desvalorização do câmbio e seus efeitos para a indústria de private equity em razão da substancial captação de recursos no exterior, são em certa medida sopesados por gestores e investidores. Há, porém, uma série de riscos legais que nem sempre são considerados ou, quando o são, podem não ser adequadamente avaliados.

FIPs usualmente investem em ações e participam da gestão das sociedades via indicação de membros para o Conselho de Administração, correndo riscos próprios de acionistas em geral.

Como regra, as obrigações da pessoa jurídica não atingem o patrimônio direto de seus acionistas ou administradores (diretores e membros do conselho de administração). Trata-se de justificava histórica para a própria existência de pessoas jurídicas com patrimônio separado: estimular o empreendedor, permitindo-lhe legalmente separar uma parte de seu patrimônio para expor a risco de determinado negócio, mantendo segregado seu patrimônio remanescente. É em razão desse raciocínio econômico que existem as sociedades de responsabilidade limitada, que em nosso sistema tem como principais exemplos a sociedade limitada (Ltda.) e a sociedade anônima (S.A. ou Companhia).

Por outro lado, a personalidade jurídica não pode servir como escudo para abusos contra terceiros que se relacionam com a sociedade, em especial funcionários, consumidores, o próprio Estado e credores em geral.

A responsabilização de acionistas e administradores exige demonstração de abuso da personalidade jurídica caracterizado (i) pelo uso da sociedade para fins estranhos ao seu objeto social ou à sua finalidade ou (ii) pela confusão entre o patrimônio da sociedade e do acionista, do administrador ou de outra sociedade.

Excepcionalmente, porém, o mero inadimplemento pela pessoa jurídica pode ensejar a responsabilização de seus acionistas e administradores. Trata-se da desconsideração da personalidade jurídica prevista no Código Civil, no Código de Defesa do Consumidor, na legislação ambiental, entre outros diplomas legais e de hipóteses específicas de responsabilidade direta do administrador ou sócio.

Abaixo tratamos de alguns dos riscos legais que devem ser considerados pela indústria de private equity.

Responsabilidade por dívidas trabalhistas

Apesar de a legislação trabalhista não dispor sobre a responsabilização pessoal de administradores e acionistas por obrigações das companhias, a Justiça do Trabalho comumente extrapola a lei e desconsidera a personalidade jurídica das sociedades empregadoras para beneficiar os empregados, sem qualquer questionamento quanto à existência ou não de abuso da personalidade jurídica. O fato de a sociedade não possuir bens para pagamento de dívida trabalhista é com frequência considerado suficiente para a desconsideração da personalidade jurídica e responsabilização de acionistas e administradores, sob o argumento ilegal de que o empregado não deve arcar com o risco da atividade econômica.

Além disso, sociedades integrantes de um mesmo grupo econômico (vinculadas por controle, coordenação de atividades ou administração comum) são solidariamente responsáveis perante a legislação trabalhista. Note-se que isto não se aplica a fundos de investimento, mesmo que controlador, uma vez que não se trata de sociedades.

O gestor do fundo está mais distante nessa relação. Ele não é o acionista da sociedade investida ou seu administrador. Contudo, há espaço para o gestor vir a ser responsabilizado por seus investidores, na hipótese de problemas em sociedade investida anteriores ao investimento, ou por terceiros, se restar comprovado que o gestor, no contexto de sua influência na investida, agiu contra a lei, as normas da CVM ou o regulamento do fundo, causando perdas.

Responsabilidade por dívidas tributárias e previdenciárias

O mero inadimplemento de tributo não constitui infração à lei capaz de ensejar a responsabilidade de acionistas ou administradores. Nesse caso a situação é mais razoável que na esfera trabalhista, na medida em que há responsabilidade pessoal pelas dívidas tributárias e previdenciárias da companhia somente nas hipóteses de abuso/excesso de poder ou de violação da lei ou do estatuto social (e.g., contabilidade irregular, evasão fiscal, fraude, dissolução irregular da sociedade).

Aqui também o gestor do fundo está mais distante da relação, sem prejuízo de ser responsabilizado pelos danos que causar por sua própria ação, tal como no caso de obrigações trabalhistas.

Responsabilidade no âmbito do Direito do Consumidor

A legislação brasileira parte da presunção de que o consumidor é sujeito hipossuficiente em face dos fornecedores de bens e serviços, que se situam em posição economicamente mais favorecida e, em contrapartida, confere certas proteções aos consumidores.

Uma das proteções consiste na possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica dos fornecedores quando, em prejuízo do consumidor, há abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, ato ilícito ou violação do estatuto social, assim como, nas hipóteses de falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração. Até aqui estamos de acordo.

A lei, porém, vai mais longe e prevê que a personalidade jurídica também poderá ser desconsiderada sempre que for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. Na prática, a responsabilidade dos acionistas e administradores é quase que direta; havendo dano ao consumidor não ressarcido pela própria sociedade, respondem os acionistas e os administradores por danos sofridos por consumidores.

Responsabilidade por danos ao meio ambiente

A legislação brasileira prevê a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica quando esta for obstáculo ao ressarcimento de danos causados ao meio ambiente. Mais uma vez, a responsabilidade dos acionistas e administradores é praticamente direta: serão pessoalmente responsabilizados se a sociedade não dispuser de patrimônio suficiente para reparar/ressarcir o dano ambiental.

Responsabilidade por atos lesivos à administração pública

A Lei Anticorrupção estabelece diversas sanções, nos âmbitos administrativo e civil, para as pessoas jurídicas e pessoas físicas (administradores) que praticarem atos nela previstos contra a administração pública, nacional ou estrangeira.

A personalidade jurídica pode ser desconsiderada se a sociedade for utilizada para facilitar, encobrir ou dissimular a prática de atos ilícitos ou para provocar confusão patrimonial. Além disso, há previsão legal de que controladores, outros sócios, coligadas e consorciadas são solidariamente responsáveis (não havendo nem mesmo necessidade de desconsideração de personalidade jurídica) pelas penas de natureza pecuniária (multa) e pelo ressarcimento do dano. Apenas as penalidades não pecuniárias ficam restritas à sociedade que praticou o ato.

Responsabilidade por infração da ordem econômica

São considerados infrações da ordem econômica, independentemente de culpa, atos que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que tais efeitos não sejam alcançados: (i) limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa, (ii) dominar mercado relevante de bens ou serviços, (iii) aumentar arbitrariamente os lucros, ou (iv) exercer de forma abusiva posição dominante.

A personalidade jurídica da companhia responsável por infração da ordem econômica pode ser desconsiderada – com a consequente responsabilização de acionistas e administradores – nos casos de abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação do estatuto social, assim como nos casos de falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

Conclusão

Como se vê, há uma série de riscos que gestores e investidores devem considerar ao estruturar e investir em private equity. A exposição do patrimônio do fundo, de seus cotistas e dos administradores das sociedades investidas em situações extremas que justificam a desconsideração da personalidade jurídica (i.e. quando há abuso da personalidade jurídica) parece até certa medida razoável. Porém, a legislação e a jurisprudência vão além em muitas situações.

Em alguns casos, como nas áreas trabalhista, consumerista e ambiental, a atenção deve ser redobrada. A legislação e a jurisprudência vão ao extremo e, na prática, desconsideram por completo a existência da personalidade jurídica das sociedades investidas, ficando os fundos de investimento, seus cotistas e os administradores das sociedades investidas diretamente sujeitos a responsabilização.

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