"Pas de brevet valable, pas de contrefaçon possible"
(sem patente válida, impossível a contrafação)

A declaração incidental de nulidade de patente como preconizada pelo §1º do artigo 56 da Lei da Propriedade Industrial (Lei 9.279/96) tem sido objeto de controvérsia nos Tribunais Pátrios. Seja em função da novidade da matéria, seja em razão das particularidades da legislação de patentes, têm-se observado uma certa resistência dos Juízes à aplicação literal dessa disposição, o que traz insegurança jurídica. O objetivo do presente estudo é a tentativa de compreensão das razões de tal resistência e o aporte de um certo número de ponderações sobre o tema.

I – O objeto da controvérsia

Uma patente regularmente concedida goza de presunção de validade. Afinal, foi objeto de exame pela autoridade competente - o INPI -, que verificou a presença dos requisitos legais de validade previamente à sua concessão. Assim, é correta a regra geral de considerar a patente concedida presumidamente válida.

Entretanto, um dos argumentos de defesa mais recorrente quando o Réu se vê diante de uma ação de infração de patente é o questionamento acerca de sua validade. E este é um questionamento universal, que não ocorre apenas no Brasil, mas na grande maioria dos países.

No Brasil esta questão complica-se particularmente com a imbricação de outra, a respeito da jurisdição competente para declarar-se a nulidade de uma patente. Em razão da necessária presença do INPI no polo passivo da ação de nulidade de patente, o foro competente que passa a conhecer e dirimir essa questão é o da Justiça Federal, o que não se questiona aqui. Mas lembre-se, desde já, que esta determinação de foro não se dá em razão da matéria, mas em razão do fato de uma das partes ser uma Autarquia Federal, sujeita a jurisdição privilegiada. Ora, esta imbricação da questão jurisdicional federal dificultou sobremaneira o uso do argumento de nulidade de patente como matéria de defesa nos casos em que o cidadão era acusado de ser infrator, na justiça estadual.

A questão que se apresentava então era a de saber se o Juiz, no foro estadual, poderia conhecer e decidir a respeito de nulidade de patente quando alegada como matéria de defesa. Ora, é certo que sendo uma patente nula, não poderia gerar seus efeitos, dentre eles o principal, que é obrigar terceiros a respeitar a propriedade e o uso exclusivo do seu objeto, que é a invenção. Previa o Código Civil de 1916, mais precisamente em seu artigo 1463, ser dever do juiz pronunciar a nulidade que lhe for levada ao conhecimento e tirar as consequências devidas, nos seguintes termos:

"Art. 146. As nulidades do artigo antecedente podem ser alegadas por qualquer interessado, ou pelo Ministério Público, quando lhe couber intervir.

Parágrafo único. Devem ser pronunciadas pelo juiz, quando conhecer do ato ou dos seus efeitos e as encontrar provadas, não lhe sendo permitido supri-las, ainda a requerimento das partes."

Evidentemente que a lógica imporia ao juiz chamar o INPI à lide para decretar a nulidade da patente, uma vez ter sido o INPI a autoridade responsável pela concessão da mesma. Isso o faria enfrentar a questão da jurisdição competente, uma vez que a presença do INPI na ação, impõe o foro da justiça federal. Restava saber, de outro lado, se o juiz poderia simplesmente conhecer da nulidade e pronunciá-la inter partes, sem que tal decisão tivesse caráter erga omnes. Assim, via-se o juiz diante de três hipóteses:

  1. Não conhecer o argumento da nulidade por uma questão de competência e dar continuidade ao andamento da ação de infração (correndo o risco de condenar o Réu baseado num título nulo);
  2. Conhecer da nulidade em caráter incidental e pronunciá-la para o fim de indeferir o pleito baseado em título de patente nulo;
  3. Suspender o feito até que se decidisse, na justiça federal, a questão da nulidade arguida;

Pode-se compreender o desconforto do juiz estadual com qualquer das hipóteses acima elencadas, cada uma por uma razão própria. Por esta precisa razão, discutiu-se e entendeu-se, à época da elaboração da Lei 9.279/96, que a lei poderia autorizar expressamente o juiz a conhecer da nulidade da patente, em caráter incidental e com efeitos inter partes. Esta é a razão de ser do §1º do artigo 56 da Lei da Propriedade Intelectual, que prevê expressamente que "a nulidade da patente poderá ser arguida, a qualquer tempo, como matéria de defesa.". Esperava-se com isso solucionar o impasse e dar reforço a uma interpretação já possível e objeto de discussão na vigência da Lei 5.772/71.

A ideia não era exatamente nova, pois tratou-se de introduzir, na nova lei, disposição inspirada no artigo 1884 do Código da Propriedade Industrial de 1945 (Decreto-Lei n. 7.903/45) que, tratando de matéria penal, já previa situação análoga5.

Com este dispositivo em vigor, o juiz estadual estaria, em princípio, expressamente autorizado a conhecer e pronunciar nulidade de patente em caráter incidental, nas ações de infração de patentes que estivessem sob seus cuidados. A consequência principal de tal modificação é a de possibilitar ao réu de uma ação de infração de patente arguir, como matéria de defesa, a nulidade do título que deu origem à mesma. Aliás, nada mais razoável, como se verá mais adiante, pois, para que se condene alguém sobre eventual infração, supõe-se, logicamente, a validade do direito em discussão.

Contudo, tem-se notado alguma resistência na jurisprudência quanto à aplicação do dispositivo comentado, o que tem trazido certo espanto e insegurança jurídica no meio especializado. Além disso, não seria exagero afirmar que, para além do argumento da não aplicação de texto expresso de lei, estar-se-ia diante de cerceamento do direito de defesa, constitucionalmente garantido.

A primeira (ou mais contundente) decisão – que serviu de paradigma para essa nova onda de interpretação – é da lavra da Ministra Nancy Andrighi. Vale transcrever trecho do voto da I. Ministra, no RESP 1.132.449-PR:

"Ainda que a lei preveja, em seu art. 56 §1º, a possibilidade de alegação de nulidade do registro como matéria de defesa, a melhor interpretação de tal dispositivo aponta no sentido de que ele deve estar inserido numa ação que discuta, na Justiça Federal, a nulidade do registro. Não faria sentido exigir que, para o reconhecimento da nulidade pela via principal, seja prevista uma regra especial de competência e a indispensável participação do INPI, mas para o mero reconhecimento incidental da invalidade do registro ao se exija cautela alguma. Interpretar a lei deste modo, como bem observado pelo i. Min. Direito, equivaleria a conferir ao registro perante o INPI uma eficácia meramente formal e administrativa."

Resumidamente, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça está fundamentado em duas premissas:

  1. Não seria possível reconhecer, incidentalmente, a nulidade de um direito de propriedade industrial negando ao respectivo titular o direito de pleitear a sua utilização exclusiva;
  2. Não seria possível ao juízo estadual tratar da nulidade do registro, quando a competência para a ação de nulidade visando a desconstituição do título seria da Justiça Federal.

Ambas as premissas visam prestigiar o título em vigor, que deve produzir efeitos até a sua desconstituição pela Justiça Federal. Ou seja, ambas as premissas reforçam a presunção de validade do título.

Para uma melhor compreensão do entendimento do STJ, transcreve-se a ementa do RESP 1.132.449-PR:

"PROCESSO CIVIL E DIREITO DE PROPRIEDADE INTELECUTAL. REGISTRO DE DESENHO INDUSTRIAL E DE MARCA. ALEGADA CONTRAFAÇÃO. PROPOSITURA DE AÇÃO DE ABSTENÇÃO DE USO. NULIDADE DO REGISTRO ALEGADO EM MATÉRIA DE DEFESA. RECONHECIMENTO PELO TRIBUNAL, COM REVOGAÇÃO DE LIMINAR CONCEDIDA EM PRIMEIRO GRAU. IMPOSSIBILIDADE. REVERSÃO DO JULGAMENTO. NULIDADE DE PATENTE, MARCA OU DESENHO DEVE SER ALEGADA EM AÇÃO PRÓPRIA, PARA A QUAL É COMPETENTE A JUSTIÇA FEDERAL. RECURSO PROVIDO.

  1. A alegação de que é inválido o registro, obtido pela titular de marca, patente ou desenho industrial perante o INPI, deve ser formulada em ação própria, para a qual é competente a Justiça Federal. Ao juiz estadual não é possível, incidentalmente, considerar inválido um registro vigente, perante o INPI. Precedente.
  2. A impossibilidade de reconhecimento incidental da nulidade do registro não implica prejuízo para o exercício do direito de defesa do réu de uma ação de abstenção. Nas hipóteses de registro irregular de marca, patente ou desenho, o terceiro interessado em produzir as mercadorias indevidamente registrada deve, primeiro, ajuizar uma ação de nulidade perante a Justiça Federal, com pedido de antecipação dos efeitos da tutela. Assim, todo o peso da demonstração do direito recairia sobre o suposto contrafator que, apenas depois de juridicamente respaldado, poderia iniciar a comercialização do produto.
  3. Autorizar que o produto seja comercializado e que apenas depois, em matéria de defesa numa ação de abstenção, seja alegada a nulidade pelo suposto contrafeitor, implica inverter a ordem das coisas. O peso de demonstrar os requisitos da medida liminar recairia sobre o titular da marca e cria-se, em favor do suposto contrafeitor, um poderoso fato consumado: eventualmente o prejuízo que ele experimentaria com a interrupção de um ato que sequer deveria ter se iniciado pode impedir a concessão da medida liminar em favor do titular do direito.
  4. Recurso especial provido, com o restabelecimento da decisão proferida em primeiro grau."

A interpretação acima merece algum reparo, como pode ser verificado nos tópicos seguintes:

(i) Dispositivo aplicado unicamente para questões patentárias

Como se pode verificar, a decisão acima faz menção, de maneira indiscriminada, aos diversos títulos da propriedade industrial (marcas, patentes e desenhos industriais), como se os mesmos se equivalessem.

Ora, a Lei 9.279/96 não trata esses direitos de forma equivalente; tanto assim que a possibilidade da declaração incidental de nulidade está prevista única e exclusivamente às ações de infração de patentes. Trata-se claramente de uma restrição particular a esse direito, distinguindo-o das questões marcárias e as relativas a desenho industrial (esses sim, sem previsão legal quanto à possibilidade da declaração incidental de nulidade), mas nem por isso descaberia a discussão de aplicação analógica do princípio, conforme entendimento muito bem expresso por Lélio Schmidt6.

Ou seja, o entendimento de que nas ações de infração de marca ou de desenho industrial não se admite, como matéria de defesa, a declaração incidental do título que deu origem à lide pode ser discutível. Mas, excepcionalmente em matéria de patentes tal admissão é prevista expressamente em lei. Aliás, já o era na vertente penal desde 1945.

A razão para tal distinção é que, nas ações envolvendo patentes de invenção, as questões discutidas possuem complexidade inerentes ao objeto da lide (invenções nas mais diversas áreas da tecnologia). Tais ações, como se sabe, são julgadas por Juízes que possuem formação jurídica, mas não técnica, em princípio. Pretendeu-se, com a inclusão do artigo 56, §1º na Lei da Propriedade Industrial, dar ao Juízo estadual a possibilidade de ser mais consequente, evitando uma eventual injustiça ao dar a ele o poder de conhecer e declarar incidentalmente a nulidade de uma patente, decidindo por completo a questão trazida à apreciação do Poder Judiciário. Há evidente economia processual e muito menos custo de defesa ao cidadão, além de se evitar uma nova ação em outro foro.

(ii) A declaração de nulidade é incidental, inter partes e não desconstitutiva de direito

Em relação à declaração incidental de nulidade pelo Juízo Estadual, inúmeros precedentes do STJ mencionam que, para se reconhecer a nulidade dos direitos de propriedade industrial (dentre eles os direitos de patentes), somente é competente a Justiça Federal, por meio do ajuizamento de ação própria (de nulidade).

Da decisão paradigma, vale transcrever abaixo parte das razões expostas pela Ministra Nancy Andrigui:

"Ainda que a lei preveja, em seu art. 56, § 1º, a possibilidade de alegação de nulidade de registro como matéria de defesa, a melhor interpretação de tal dispositivo aponta no sentido de que ele deve estar inserido numa ação que discuta, na Justiça Federal, a nulidade do registro. Não faria sentido exigir que, para o reconhecimento da nulidade pela via principal, seja prevista uma regra especial de competência e a indispensável participação do INPI, mas para o mero reconhecimento incidental da invalidade do registro não se exija cautela alguma. Interpretar a lei deste modo, como bem observado pelo i. Min. Direito, equivaleria a conferir ao registro perante o INPI uma eficácia meramente formal e administrativa.

A discussão sobre a validade de um registro de marca, patente ou desenho industrial, nos termos da Lei, tem de ser travada administrativamente ou, caso a parte opte por recorrer ao judiciário, deve ser empreendida em ação proposta perante a Justiça Federal, com a participação do INPI na causa. Sem essa discussão, os registros emitidos por esse órgão devem ser reputados válidos e produtores de todos os efeitos de direito."

Ora, a declaração incidental de nulidade não tem o condão de desconstituir o título. Para tanto todos concordam que é preciso a participação do INPI, o que impõe seja a lide dirimida no foro federal. Esta é uma diferenciação que não se encontra explicitada nas decisões que se seguiram7. Percebe-se que aquelas decisões não fizeram a diferenciação entre a desconstituição do título e a mera constatação de nulidade para o fim de afastar-se a condenação injusta por infração de um título nulo. Não se está ali observando a extensão e consequências das decisões proferidas pelo Judiciário Estadual ou Federal, o que também tem contribuído para a falta de clareza do entendimento ali expressado.

Isso porque, como dito, a declaração incidental de nulidade prevista no artigo 56, §1º na Lei da Propriedade Industrial faz coisa julgada apenas em relação às partes da ação (efeitos inter partes). A declaração de nulidade da Justiça Federal, justamente pela presença do INPI no polo passivo, tem por consequência a desconstituição do título e gera efeitos erga omnes.

Na hipótese da declaração de nulidade da patente pela via incidental (com efeitos, portanto, inter partes), as patentes não serão mais oponíveis apenas ao Réu da ação, mas continuarão produzindo os seus efeitos no mundo jurídico e em relação a terceiros que não fizeram parte dessa relação processual.

Nesse sentido, vale destacar o que leciona Gama Cerqueira:

"Se a patente tiver sido concedida em desacordo com a lei, o privilégio é nulo, podendo a nulidade ser arguida, em defesa (...)"

Preciosas são, também, as lições de Luiz Guilherme de A. V. Loureiro8:

Nesse sentido, o § 1º do art. 56 dispõe que a nulidade da patente poderá ser argüida, a qualquer tempo, como matéria de defesa. Assim, o réu numa ação de contrafação ou de indenização, poderá alegar na contestação, ou mesmo após essa fase, a nulidade da patente sobre a qual se baseia a ação. Constituindo uma simples questão prejudicial, o juiz deverá necessariamente apreciar a argüição antes de prolatar a sentença final. Se ele reconhecer que a patente é nula, a ação de contrafação ou de indenização será necessariamente julgada improcedente. No entanto, sobre a nulidade assim reconhecida não incide a força julgada e, portanto, seus efeitos não se projetam para fora do processo e a questão pode ser apreciada novamente em outro processo. Por outro lado, pode o réu apresentar a questão prejudicial (nulidade da patente) na forma de uma ação declaratória incidental, que será recebida e julgada junto com o pedido principal (no exemplo a contrafação ou a indenização por exploração indevida da patente), desde que o juiz seja competente em razão da matéria (art. 470, II, do CPC), ou seja, desde que se trate de um juiz federal (art. 57 da Lei de Propriedade Industrial).

Na visão de Lélio Denícoli Schmidt9:

"A nosso ver, há que se aferir o papel que a nulidade desempenha no processo, pois, à medida que esta função variar, serão distintas as soluções. Se a invalidade estiver colocada como causa de pedir ou fundamento de defesa, a Justiça Estadual terá plena competência para apreciá-la. Somente se a nulidade for objeto do pedido é que a competência será exclusiva da Justiça Federal. A esta conclusão se chega com a análise da diferenciação existente entre o poder cognitivo e o poder decisório, expressão não só no Direto Processual, mas também na própria legislação material."

A possibilidade de declaração incidental de nulidade em matéria de patentes é também admitida em legislações estrangeiras, como bem observado por Frédéric Pollaud-Dulian a respeito do direito francês:

"La nullité peut faire l'objet d'une demande principale ou reconventionnelle. Elle peut aussi être soulevée à titre d'exception en défense, dans um procès en contrefaçon, auquel cas la nullité n'a d'effet qu'entre les parties au litige, c'est-à-dire que le juge rejette l'action en contrefaçon mais ne prononce pas l'annulation du brevet. "10

No mesmo sentido, vale destacar as palavras de Paul Mathely:

"La demande en nullité peut être formée par la voie principale, ou par la voie reconventionnelle.

Lorsqu'elle est formée reconventionnellement, elle le sera le plus souvent en réponse à une action en contrefaçon."11

As decisões examinadas não tem atentado para esta importante diferença, tomando uma coisa por outra. Afastam a possibilidade da declaração incidental de nulidade baseados no equivocado entendimento de que tal teria por efeito a desconstituição do título. Apenas por este motivo é que se tem visto decisões pugnando pela obrigatoriedade da presença do INPI na lide e, consequentemente, deslocando a competência para a Justiça Federal para o exame da matéria.

Vale lembrar, entretanto, que o próprio Superior Tribunal de Justiça, no passado, vinha se manifestando pela possibilidade de arguição de nulidade como matéria de defesa:

"AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. DECLARAÇÃO DA NULIDADE DA PATENTE COMO QUESTÃO PREJUDICIAL. POSSIBILIDADE. COMPETÊNCIA DO JUÍZO ESTADUAL.

(...)

3. Havendo autorização legal (art. 56, § 1º, da Lei 9.279/96) para a argüição de nulidade da patente como matéria de defesa e, conseqüentemente, para o acolhimento da manifestação pelo Juízo cível, com a suspensão dos efeitos por ela gerados, não há como concluir que a patente só deixa de gerar seus regulares efeitos quando anulada em ação própria, perante a Justiça Federal.

4. A nulidade da patente, com efeito erga omnes, só pode ser declarada em ação própria, proposta pelo INPI, ou com sua intervenção, perante a Justiça Federal. Porém, o reconhecimento da nulidade como questão prejudicial, com a suspensão dos efeitos da patente, pode ocorrer na Justiça comum estadual. Precedentes.

(...)

6. Agravo regimental a que se nega provimento.12"

"PROCESSUAL CIVIL - RECURSO ESPECIAL - PROPRIEDADE INDUSTRIAL - PATENTE - PREJUDICIALIDADE EXTERNA VERIFICADA - APLICAÇÃO DO ART.

265, IV, DO CPC E DO ART. 56, § 1º, DA LEI 9279/96 - SUSPENSÃO DO PROCESSO - NECESSIDADE - Prejudicialidade decorrente da possibilidade de, em um processo extrínseco ao presente, ser reconhecida a nulidade da patente em que se funda o objeto principal da lide (ação ordinária n.º 1998.01.1.012867-9 da 2ª Vara Cível da Circunscrição Judiciária do Distrito Federal e ação de nulidade de patente n.º 2003.510.1518241-0 da 39.ª Vara Federal do Rio de Janeiro) - PRIMEIRO RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO - SUSPENSÃO DO EXAME DO SEGUNDO RECURSO ESPECIAL.13"

Aliás, vale citar trecho do voto do I. Ministro Massami Uyeda:

"Assim, a nulidade da patente, com efeito erga omnes, só pode mesmo ser declarada em ação própria, proposta pelo INPI, ou com sua intervenção, perante a Justiça Federal (art. 56, caput, da Lei 9.279/96). Porém, o reconhecimento da nulidade como questão prejudicial, com a suspensão dos efeitos da patente, pode ocorrer na Justiça comum estadual, como se dá na hipótese em análise. A propósito, os já citados - CC 5.773-RJ e RMS 625-RJ."

(iii) Possibilidade de questionamento da validade do direito antes da análise da sua infração

Ao negar a aplicação do artigo 56, §1º da Lei da Propriedade Intelectual, os Tribunais brasileiros não têm observado que essa matéria também influencia o julgamento de mérito da causa, pois a verificação de um direito nulo (e, portanto, inexistente) leva, necessariamente, ao reconhecimento da ausência de infração.

Nesse sentido, na sistemática da propriedade industrial, em primeiro lugar parte-se do princípio, para a configuração da infração patentária, da existência de um título válido, concedido em consonância com os requisitos previstos em lei. Ou seja, o objeto em discussão, mais precisamente a patente de invenção que deu origem à ação, deve ser validamente outorgada, sob pena de se estar diante da inexistência de infração (ausência do direito). Assim, como consequência lógica, o Juiz deve pressupor a validade do título patentário para dar seguimento à verificação da ocorrência da alegada infração. Uma tal suposição admite, pelo texto do parágrafo 1º do art. 56, prova em contrário, ou seja, uma presunção juris tantum.

Como diz a doutrina francesa a respeito desse ponto, "Pas de brevet valable, pas de contrefaçon possible"14.

Ainda na doutrina francesa, Alain Casalonga ensina que15:

"Para que haja infração, é ainda indispensável que a patente que deu origem à ação seja válida e não esteja eivada de nenhuma causa de nulidade ou de caducidade, se não totalmente, ao menos na parte que apresenta similaridade com a exploração ilícita nos seus meios e resultados. Assim, é condição que a invenção protegida pela patente seja verdadeiramente patenteável."

E nesse sentido, já se manifestou o E. Tribunal de Justiça de São Paulo:

"Violação de privilégio de invenção – Artefato em estado de técnica (domínio público) – Foguete que não pode ser considerado novo, não caracterizando contrafação de patente industrial."16

"Comprovação, nos autos, que a patente obtida pelo autor não satisfaz o requisito de 'novidade', impedindo-se com isso, o julgamento da procedência da demanda – Não sendo o produto considerado novo, sua reprodução não implica em violação de patente, ficando descaracterizada a contrafação."17

Lélio Denícoli Schmidt18 reforça a necessidade da verificação prévia acerca da validade do título patentário, sob pena de nulidade da decisão a ser proferida no processo:

"A influência que a solução das questões prévias (preliminares e prejudiciais) guarda em relação ao julgamento do pedido torna o seu exame obrigatório. Ao proferir sua decisão final, o juiz não poderá, sob pena de nulidade, deixar de ter analisado todos os pontos ou questões preliminares ou prejudiciais suscitadas pelas partes ou apreciáveis de ofício.

Estas considerações permitem concluir que a nulidade do registro de marca ou privilégio de patente, quando suscitada em ações de cessação de uso, indenização e/ou reivindicação, constitui-se numa questão prejudicial. A procedência ou não do pedido dependerá da resolução que no caso vier a ser dada à nulidade. Vindo a ser considerado nulo o registro ou o privilégio de autor, o pedido que neles se fundava haverá de ser julgado improcedente. Por outro lado, admitida a nulidade dos títulos obtidos pelo réu, o direito de uso que neles tinha lastro ruirá e a ação deverá ser tida por procedente. A invalidade, portanto, subordina em termos técnicos o julgamento da ação.

Observe-se que as questões preliminares ou prejudiciais não se confundem com o pedido. Nos exemplos ora em foco, a anulação do registro de marca ou privilégio de patente não integra o pedido. Este é delimitado pela reivindicação ou pela condenação em obrigação de não fazer ou de dar (abstenção de uso ou indenização). A invalidade do título de domínio será no máximo a causa de pedir ou o fundamento de defesa."

No mesmo sentido, a obra de Dannemann19:

"um exemplo típico de tal situação é aquele em que no curso de uma ação de infração, o réu apresenta, como matéria de defesa, documentos da técnica anterior que provam ser a invenção objeto da patente já conhecida desde antes de sua data de depósito junto ao INPI. Em outras palavras, prova o réu que pratica aquela invenção não em violação da patente, mas, sim, com base em ensinamentos anteriores a ela e domínio público."

Não há dúvidas, portanto, que para análise de infração, presume-se válida a patente objeto da lide, requisito esse essencial para se apurar a existência, ou não, da contrafação. Mas tal presunção deve admitir prova em contrário no mesmo procedimento, a ser apreciada pelo mesmo juiz da causa.

(iv) Cerceamento de defesa

Como verificado, não se pode reconhecer a existência de infração e condenar o réu ao pagamento de indenização desprezando alegação de nulidade do título, pois priva-se o réu de importante argumento de defesa.

Se a legislação vigente prevê que a nulidade da patente pode ser arguida a qualquer tempo, como matéria de defesa, deve-se entender que em todo e qualquer processo é possível que o réu sustente incidentalmente a nulidade.

Nas palavras de Jacques Labrunie20:

"A Lei 9.279/96 trouxe uma disposição nova, de suma importância, ao determinar, no §1º, do art. 56, que a nulidade poderá ser arguida, como matéria de defesa a qualquer tempo. Como visto, a ação de nulidade de patente tem foro e rito próprios. (...) A lei atual traz disposição idêntica à constante do art. 188, do revogado Decreto-lei n. 7.903, no que se refere à possibilidade de a nulidade constituir-se matéria de defesa na ação penal (art. 205). Apesar de não haver dispositivo expresso sobre tal possibilidade em eventual ação civil, o parágrafo único do art. 56 permite expressamente a alegação de nulidade como matéria de defesa, em qualquer juízo (criminal ou civil), pois nesse dispositivo não há restrição de tempo, justiça, foro ou instância. Conclui-se, sem sombra de dúvida, que a nulidade pode ser alegada, atualmente, como matéria de defesa, também no juízo civil."

No mesmo sentido, Lélio Denícoli Schmidt21 expõe que:

"Vê-se, portanto, que, seja sob a ótica do Direito Processual, seja através do exame do Direito Material, a conclusão a que se chega é uníssona: em ações de abstenção, indenização /e ou reivindicatórias, propostas com fulcro em (...) privilégio de patente, o juiz estadual terá poder de cognição para incidentalmente reconhecer a invalidade destes títulos de domínio."

Trata-se, em outras palavras, do princípio da ampla defesa.

A esse respeito, Cassio Scarpinella Bueno entende que22:

"Não há razão para deixar de entender a ampla defesa, mais ainda a partir do que se ocupou de demonstrar o n.5, supra, a respeito do 'princípio do contraditório', como a garantia ampla de todo e qualquer acusado em sentido amplo (que é a nomenclatura mais utilizada para o processo penal) e qualquer réu (nomenclatura mais utilizada para o processo civil) ter condições efetivas, isto é, concretas de se responder às imputações que lhe são dirigidas antes que seus efetivos decorrentes possam ser sentidos. Alguém que seja acusado de violar ou, quando menos, de ameaçar violar normas jurídicas tem o direito de se defender amplamente."

A interpretação encontrada nas decisões criticadas quanto à aplicação do disposto no artigo 56, §1º da Lei 9.279/96, faz exigência que não encontra guarida no texto legal, qual seja, o necessário ajuizamento de ação autônoma perante a Justiça Federal. Não resta dúvida que esse posicionamento viola, ao mesmo tempo, expresso texto de lei, bem como a garantia constitucional da ampla defesa.

No entendimento de Eduardo da Gama Câmara Júnior23:

"Assim, ao obrigar o réu da ação de contrafação a propor uma nova demanda, perante outro juízo, apenas para se defender nessa ação de infração, quando a lei não faz essa exigência, ou seja, a lei permite ao réu calcar sua defesa apenas na nulidade da patente, sem a necessidade de uma nova ação, põe uma limitação adicional nas possibilidades de defesa do réu, que o viola o princípio constitucional da ampla defesa."

Assim, a questão da nulidade de patentes pode e deve ser obrigatoriamente considerada e apreciada – mesmo que incidenter tantum e não principaliter – pelo Juízo Estadual no julgamento da ação de infração patentária, sob pena de inegável negativa de jurisdição, com gravíssimo prejuízo ao direito de defesa do réu da ação.

II - Conclusão

Como visto, em ações de infração de patentes em curso perante o Judiciário Estadual, o Juiz do caso possui competência para, com fundamento em seu poder cognitivo, examinar e declarar incidentalmente a nulidade do título patentário. Como visto, tal exame é possível pois se dá em caráter incidental, já que, se colocada em caráter principaliter, a competência seria do foro Federal, tendo em vista a presença obrigatória do INPI no polo passivo da lide, como previsto no art. 109, I da Constituição Federal.

Por isso, vale reiterar, que a declaração incidental de nulidade prevista no artigo 56, §1º na Lei da Propriedade Industrial faz coisa julgada apenas em relação às partes da ação (efeitos inter partes). A declaração de nulidade da Justiça Federal, justamente pela presença do INPI no polo passivo, tem por consequência a desconstituição do título e gera efeitos erga omnes.

Na hipótese da declaração de nulidade da patente pela via incidental (com efeitos, portanto, inter partes), as patentes não serão mais oponíveis apenas ao Réu da ação, mas continuarão produzindo os seus efeitos no mundo jurídico e em relação a terceiros que não fizeram parte dessa relação processual.

Ao introduzir a previsão do artigo 56, §1º na Lei 9.279/96, pretendeu o legislador, justamente, permitir que, em ações nas quais se alega a violação de uma patente de invenção, o Réu possa arguir, como matéria de defesa, a nulidade do título patentário, pois, como visto, a presunção de validade do título comporta prova em contrário a respeito da validade do direito em discussão.

Footnotes

1 Doutor e Mestre em Direito pela Universidade de Estrasburgo, Professor-Doutor da PUC-SP, Ex-Presidente do INPI, sócio de Gusmão & Labrunie advogados

2 Mestre em Direito pela Universidade de Estrasburgo, sócio de Gusmão & Labrunie advogados

3 O mesmo dispositivo pode ser encontrado no artigo 168 do Código Civil de 2002.

4 "Art. 188. Poderá constituir matéria de defesa na ação criminal a alegação de nulidade da patente ou registro em que a ação se fundar. A absolvição do réu, entretanto, não importará na nulidade da patente ou do registro. que só poderá ser demandada pela ação competente."

5 A redação do art. 188 do Código de 1945 se encontra reproduzida no art. 205 da Lei 9.279/96.

6 SCHMIDT, Lélio Denícoli, O Reconhecimento Incidental de Nulidade de Registro de Marca ou Privilégio de Patente, in Revista da Associação Brasileira da Propriedade Industrial n. 22, Mai/Jun 1996.

7 No mesmo sentido no STJ, vale mencionar os seguintes julgados: RESP 325.158/SP, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito (no qual foi feito um grande levantamento a respeito de precedentes do tema); AgRg no Ag 254.141/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. em 21.06.2012; RESP 1.087.288/SP, Rel. Min. Marco Buzzi, j. em 11.09.2013. No TJ/SP, vale destacar: Apelação n. 9248124-96.2008.26.000, Guarulhos, 1a Câmara Extraordinária de Direito Privado, Rel. Des. Marcia Regina Dalla Déa Barone, j. 10.12.2013; Agravo de Instrumento 0265248-12.2012.8.26.000, São Paulo, 1a Câmara Reservada de Direito Empresarial, Rel. Des. Fortes Barbosa, j. 29.08.2013; Apelação n. 9069130-80.2007.8.26.000, 3a Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Egidio Giacoia, j. 11.02.2014; Agravo de Instrumento n. 0171106-79.2013..8.26.0000, 1a Câmara Reservada de Direito Empresarial, Rel. Des. Teixeira Leite, j. 05.12.2013; Apelação Civil n. 0320150-17.2009.8.26.000, 6a Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Eduardo Sá Pinto Sandeville, j. 25.07.2013; Agravo de Instrumento 0074867-13.2013.8.26.0000, 2a Câmara Reservada de Direito Empresarial, Rel. Des. Fabio Tabosa, j. 19.08.2013. Em sentido contrário: Agravo de Instrumento n. 0064419-15.2012.8.26.0000, 2a Câmara Reservada de Direito Empresarial, Rel. Des. Tasso Duarte de Melo, DJU 29.05.2012.

8 LOUREIRO , Luiz Guilherme de A. V., A Lei de Propriedade Industrial Comentada, São Paulo, Lejus, 1999, p. 130 (g.n.)

9 SCHMIDT, Lélio Denícoli, O Reconhecimento Incidental de Nulidade de Registro de Marca ou Privilégio de Patente, in Revista da Associação Brasileira da Propriedade Industrial n. 22, Mai/Jun 1996, p. 37.

10 POLLAUD-DULIAN, Frédéric, Droit de La Propriété Industrielle, Montchrestien, 1999, págs. 208/209. Tradução livre : "A nulidade pode ser objeto de uma ação principal ou reconvencional. Ela também pode ser levantada como uma exceção na defensiva, em um processo de infração, caso em que a nulidade produz efeitos apenas entre as partes em litígio, ou seja, o juiz rejeita a ação em contrafação mas não declara a nulidade da patente."

11 MATHELY, Paul, Le Nouveau Droit Français des Brevets d'Invention, Editions du JNA, 1991, págs. 384. Tradução livre : "A ação de nulidade pode ser formada pela via principal, ou por meio de reconvenção. Quando formada de maneira reconvencional é, na maioria das vezes, em resposta a uma ação de infração."

12 AgRg no Ag 526.187/SP, Rel. Ministro Fernando Gonçalves, 4a Turma, j. em 21.08.2007.

13 REsp 742.428/DF, Rel. Ministro Massami Uyeda, 4a Turma, j. em 19.09.2006.

14 "sem patente válida, impossível a contrafação" (tradução livre)

15 CASALONGA, Alain, Traité Technique et Pratique des Brevets d'Invention, segundo tomo, Librairie Générale de Droit & de Jurisprudence, 1949, p. 10. Tradução livre.

16 Apelação Cível n.º 36.782.4/0-00, 9ª Câm. de Direito Privado, Rel. Des. Franciulli Neto, 13.10.1998

17 TJSP, Apelação Cível n.º 076.799.4/0, de 10.10.2002, João José Martinez e Metalurgica São Salvador Ltda., 6ª Câmara de Direito Privado, Relator Des. Sebastião Amorim.

18 SCHMIDT, Lélio Denícoli, O Reconhecimento Incidental de Nulidade de Registro de Marca ou Privilégio de Patente, in Revista da Associação Brasileira da Propriedade Industrial n. 22, Mai/Jun 1996, p. 38.

19 Comentários à Lei da Propriedade Industrial Comentada. Rio de Janeiro, Renovar, 2005, p. 17

20 LABRUNIE, Jacques. Direito de Patentes – Condições Legais de Obtenção e Nulidades. Barueri: Manole, 2006, p. 129/131.

21 SCHIMIDT, Lélio Denícoli. O Reconhecimento Incidental de Nulidade de Registro de Marca ou Privilégio de Patente, in Revista da Associação Brasileira da Propriedade Industrial n. 22, Mai/Jun 1996, p. 42.

22 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil 1. São Paulo. Saraiva, 2011, p. 49.

23 CÂMARA JÚNIOR, Eduardo da Gama, Reflexos e Efeitos das Ações de Nulidade de Patentes nas Ações de Infração de Patentes, in Revista da Associação Brasileira da Propriedade Industrial n. 120, Set/Out 2012, p. 19.

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