As Entidades Fechadas de Previdência Complementar possuem ativos que representavam, em 2015, 12,2% do PIB nacional1. Embora esses recursos sejam investidos prioritariamente em ativos de renda fixa, a maioria lastreados em títulos públicos, os valores destinados aos mercados mobiliário e imobiliário e a investimentos estruturados representam o expressivo percentual de cerca de 30% do total desses recursos. Trata-se de fonte potencial de financiamento tremendamente relevante para projetos e estruturas empresariais que sejam capazes de receber os recursos em questão. Mas quais são os requisitos jurídicos para recebê-los?

O primeiro e mais óbvio é que os investimentos devem atender às regras do plano em que foram aportados os recursos. Isso implica uma adequação às regras em cinco camadas:

  1. a legislação federal, em especial a Lei Complementar nº 109/01;
  2. a Resolução nº 3.792/09 do Conselho Monetário Nacional (CMN);
  3. a regulamentação infralegal própria do setor, editada pela Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc);
  4. as regras de governança e políticas de investimento de cada entidade, genericamente aplicáveis a todos os seus planos; e
  5. as regras específicas de cada plano, definidas nos respectivos regulamentos.

Tais regras limitam o grau de risco admissível, definem os tipos de investimentos possíveis, estipulam limites percentuais de cada tipo de investimento, estabelecem os parâmetros de gestão desses investimentos e preveem as condições para sua alienação ou liquidação. Assim, o primeiro passo para quem busca receber investimentos dos fundos geridos pelas entidades de Previdência Complementar é analisar, nessas cinco camadas, quais são os recursos elegíveis para o tipo de investimento que se busca e definir como esse investimento pode ser estruturado.

As empresas que recebem recursos das entidades de Previdência Complementar e as operações estruturadas por elas financiadas também precisam contar com elevados padrões de governança corporativa. Principalmente em razão de escândalos recentes na gestão de fundos de previdência que têm empresas estatais como patrocinadoras, a transparência e o compliance se tornaram palavras de ouro para quem busca recursos das entidades de Previdência Complementar. Eles devem estar presentes em todas as esferas e não se admite mais – ao menos não se deveria admitir – a mera adesão protocolar a códigos de conduta ou de autorregulação. Documentos como o Código de Autorregulação em Governança de Investimentos da Abrapp2 continuam sendo importantes como mecanismo pedagógico a nortear a atuação dos gestores das entidades, mas estão longe de garantir observância às regras legais e a transparência que se espera na aplicação de recursos da Previdência Complementar.

Em termos de transparência, o que se busca em empresas investidas ou que são sócias em operações estruturadas, cada vez mais, é que adotem elevados padrões de governança corporativa e transparência na gestão do ativo que recebe o investimento das entidades e também na sua própria gestão. É necessário sofisticar o controle com a adesão, se possível, no caso de companhias abertas, a conjuntos pré-estabelecidos de normas como as do Novo Mercado, da BM&FBovespa. É também recomendável a manutenção de comitês independentes de auditoria e de órgãos de gestão compostos por profissionais independentes e a divulgação periódica de contas auditadas por terceiros capacitados. Tais medidas deixaram de ser úteis apenas a quem quer abrir o capital em bolsa e tornaram-se chave para a atração de investimentos como um todo, especialmente de entidades reguladas, como são as de Previdência Complementar.

No âmbito do compliance, verifica-se que os já famosos manuais de conduta empresarial continuam sendo importantes para empresas que querem receber recursos geridos pelas entidades de Previdência Complementar, mas são insuficientes para que um programa de compliance seja considerado efetivo. A identificação de práticas corruptas e anticompetitivas ou outras infrações legais que expõem as empresas a riscos reputacionais e de sanções demanda medidas mais enérgicas. Canais de denúncia anônima, proteção a funcionários e ex-funcionários que relatam inconformidades, treinamentos obrigatórios e frequentes a funcionários e administradores e exclusão de cobertura de seguros D&O para práticas dolosas, são exemplos de medidas a serem adotadas por quem deseja dar ao investidor segurança quanto à efetividade de seus programas. Tais medidas tendem a integrar, cada vez mais, o rol de exigências das entidades de Previdência Complementar, aplicáveis a candidatos a receber investimentos. Outro aspecto relevante é a estruturação de um way-out, ou uma rota de saída para o investimento, que não comprometa as garantias de viabilidade do negócio no longo prazo, ao mesmo tempo em que não engesse o investimento feito pela entidade de Previdência Complementar. Por mais que os investimentos dessas entidades sejam direcionados a buscar rentabilidade de longo prazo, a obrigação de gerenciar e limitar risco e exposição a certos ativos, bem como a oscilação do patrimônio dos fundos e possíveis alterações na regulamentação podem exigir o desinvestimento em curto ou médio prazo.

A implementação desse way-out é facilitada no caso de investimentos feitos em companhias abertas, com ações negociadas em bolsa, em que a liquidez e precificação constante do ativo facilitam o desinvestimento. Bastaria prever em documentos como acordos de acionistas, quando a participação acionária for relevante, mecanismos de garantia da estrutura de controle e de proteção de minoritários.

Mas também em operações estruturadas, em que pode não haver participação societária em ações com liquidez, a estruturação desse way-out é recomendável e possível. Seja com mecanismos societários que garantam direito de preferência e um método de precificação do ativo, seja com soluções mais complexas, que passem por captação de recursos no mercado financeiro e avaliações de bancos de investimentos, o essencial é que a previsão exista e as regras do jogo estejam claras, caso a entidade de Previdência Complementar queira retirar os recursos que aportou. O objetivo principal nesse caso é dar segurança jurídica a investidor e investido.

Os recursos geridos pelas entidades de Previdência Complementar já alcançam valores muito expressivos no Brasil, que tendem a crescer em ritmo superior ao do crescimento do país, tanto no curto quanto no longo prazo, aumentando a sua relevância na economia brasileira. Ademais, a Reforma da Previdência, proposta pelo Governo Federal, consolida um cenário de redução gradativa da expectativa da população em relação ao benefício que se espera receber do INSS ou do regime de previdência dos servidores públicos. É razoável esperar, em razão disso, um aumento expressivo dos recursos aportados em fundos de Previdência Complementar345. Independentemente de se comprovar ou não essa expectativa, já é fato que a Previdência Complementar possui uma quantidade enorme de recursos disponíveis para investimentos, recursos esses com maior tendência de alocação no setor produtivo, considerando o cenário atual de redução dos juros básicos da economia.

Footnotes

1  Dados da Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar, Abrapp; http://www.abrapp.org.br/Consolidados/Consolidado%20Estat%C3%ADstico_12_2015.pdf

http://www.abrapp.org.br/Paginas/codigo-autorregulacao.aspx

http://economia.estadao.com.br/blogs/antonio-penteado-mendonca/a-reforma-da-previdencia-social-e-aprevidencia-complementar/

http://g1.globo.com/economia/seu-dinheiro/noticia/previdencia-complementar-aposta-em-novas-adesoespara-evitar-esgotamento-de-recursos.ghtml

http://www.diariodepernambuco.com.br/app/noticia/economia/2016/12/22/internas_economia,681197/comproposta-de-reforma-do-governo-previdencia-privada-ganha-espaco.shtml

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