A questão sobre a conveniência de aderir ou não ao Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT) de ativos de origem lícita, não declarados ou declarados incorretamente, remetidos, mantidos no exterior ou repatriados por residentes ou domiciliados no País, tem sido objeto de intensa discussão.

Programa instituído pela Lei n° 13.254, de 13 de janeiro deste ano, a operacionalização do RERCT foi regulamentada pela Receita Federal do Brasil pela Instrução Normativa nº 1.627, de 11 de março de 2016, que define as formalidades a serem observadas pelos que pretendem aderir.

Havia grande expectativa de que essa norma viesse a esclarecer todas as dúvidas sobre o assunto, sobretudo em razão das inúmeras contribuições feitas no âmbito da Consulta Pública que a antecedeu. Todavia, não foi aclarado pelo ato normativo uma questão curiosa que tem atormentado o sono de muitos dos interessados na adesão ao RERCT. Trata-se de questão de índole constitucional, que escapa do âmbito de apreciação do Executivo, por ser de competência exclusiva do Judiciário.

Diz ela respeito à hipotética situação em que determinado contribuinte decide aderir ao programa logo no seu início, recolhendo o tributo e multa devidos, atendendo às condições estipuladas em lei, e cumprindo, enfim, todas as demais formalidades exigidas pela Administração. Passados alguns meses, com o programa ainda aberto ou não (lembremos que a adesão pode ser feita até 31 de outubro), o Supremo Tribunal Federal (STF), provocado a se manifestar sobre a constitucionalidade da Lei n° 13.254/16, declara-a inconstitucional.

Essa questão ganha ainda mais relevo diante do recente ajuizamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5.496, proposta pelo Partido Popular Socialista (PPS). Com essa ação, o PPS espera ver reconhecida a nulidade do RERCT, por suposta violação aos princípios constitucionais da igualdade e da moralidade, entre outros.

Sem entrar no mérito dos fundamentos utilizados para a propositura da referida ação direta, indaga-se: caso sobrevenha decisão concedendo o pedido formulado na ADI, em que situação ficaria o contribuinte que já tenha aderido ao RERCT? Correria o risco de ver o ato anulado, e sofrer as penas da lei, agora não mais restritas às exigências tributárias e regulatórias, mas também a sanções de natureza penal?

Entendemos que, nessas circunstâncias, o contribuinte praticou ato jurídico perfeito, e por essa razão, estará protegido pelo disposto no art. 5°, XXXVI da Constituição Federal, segundo o qual "a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada".

E a lei à qual se refere o texto maior não deve aqui ser interpretada em sentido estrito, mas amplo, estendendo-se às decisões do STF, que produzem efeito de igual dimensão.

Nesse caso, a decisão somente poderia ser aplicada em relação àqueles que ainda não tenham praticado o ato, ou seja, que não tenham formalmente aderido ao RERCT, ou que o tenham feito sem atender às condições impostas por lei ou pelo regulamento.

De rigor, seria o caso de aplicar-se a tão em voga modulação dos efeitos da decisão de inconstitucionalidade, vedando a adesão ao programa apenas a partir da data do julgamento do tema pelo STF.

A modulação ocorreria em estrito cumprimento ao art. 27 da Lei 9.868, de 10 de novembro de 1999, que visa à "acomodação otimizada entre o princípio da nulidade das leis inconstitucionais e outros valores constitucionais relevantes, notadamente a segurança jurídica e a proteção da confiança legítima", sendo repetidamente aplicada pelo STF (ADIs nº 3.106, 4.029, dentre outras).

A observância ao princípio da nulidade das leis inconstitucionais que torna ineficaz o dispositivo normativo desde o seu nascimento, deve ocorrer de forma sistêmica, harmoniosa, de modo a não violar direitos ou tornar sem efeito outros princípios gerais amparados pela Constituição Federal.

No caso em análise, a aplicação irrestrita do princípio da nulidade das leis inconstitucionais produziria três indesejados efeitos.

A curto prazo, desrespeito à segurança jurídica do contribuinte, que formaliza sua confissão e cumpre as exigências impostas pela lei com expectativa de ser anistiado no âmbito do RERCT. A médio prazo, abalo à separação, à independência e à harmonia dos poderes. E, a longo prazo, levaria a uma realidade na qual o Judiciário deteria um poder absoluto, impedindo que Executivo e Legislativo desempenhem suas funções sem a prévia concordância dos pretendidos atos pelos juízes.

São questões alarmantes que tornam improvável a declaração retroativa de inconstitucionalidade da Lei nº 13.254/16, em prejuízo daqueles que já tenham aderido ao RERCT quando do julgamento do tema pelo STF.

Há que se considerar ainda a nova ordem jurídica global. Os órgãos de fiscalização da maioria dos países vêm unindo esforços para combater as práticas de evasão, sonegação e de lavagem de dinheiro. As informações fiscais dos contribuintes são compartilhadas por instrumentos multilaterais, que permitem um conhecimento amplo da situação econômica global do indivíduo.

A efetiva entrada em vigor dessa nova ordem jurídica impôs a concessão de uma oportunidade para que os contribuintes regularizassem sua situação. Não por outro motivo, países como Áustria, Canadá, Dinamarca, Finlândia, França, Alemanha, Noruega, Portugal, Reino Unido e Estados Unidos instituíram programas de anistia similares ao RERCT.

Também em face desse contexto histórico, é indesejável e descabida a declaração de inconstitucionalidade retroativa por parte do STF, em prejuízo de seus aderentes de boa fé.

Essa é a melhor interpretação a ser conferida à Lei n° 13.254/16 para que se possa resguardar a segurança jurídica e o princípio da moralidade administrativa e da boa fé objetiva, pois seria de todo inconcebível que a Administração Pública, de posse de informações disponibilizadas pelo próprio contribuinte para regularizar sua situação jurídica, se volte contra ele para castigá-lo.

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