Há muito se teme que as máquinas substituam o homem. Diz-se que em 350 a.C. Aristóteles já se perguntava o que seria dos servos quando a lira tocasse sozinha. Com a Revolução Industrial, muitos protestaram contra a substituição de trabalhadores pela máquina a vapor. Mais recentemente, o economista norte-americano Jeremy Rifkin também tratou do tema em sua obra O fim dos empregos: o declínio inevitável dos níveis dos empregos e a redução da força global de trabalho.

Não, o significativo avanço tecnológico nas últimas décadas, em grande parte impulsionado pelos vultosos investimentos públicos em segurança durante a Guerra Fria, não substituiu a mão-de-obra humana. No entanto, o desenvolvimento dos meios de comunicação, o surgimento da internet, a automação e o progresso técnico transformaram os hábitos sociais e deram nova feição ao mercado de trabalho.

O Direito do Trabalho deve acompanhar essas mudanças. Diante do surgimento de novos conflitos e a fim de disciplinar relações jurídicas antes inexistentes, é necessário que as normas e princípios trabalhistas sejam analisados sob a ótica do novo contexto histórico para que a tecnologia seja empregada para melhorar a relação entre empregado e empregador, e não abalar as estruturas sobre as quais seus direitos foram construídos.

Recrutamento de trabalhadores

Com a internet e as redes sociais, os processos de seleção a vagas de emprego são hoje divulgados a candidatos das mais diversas regiões do mundo em curtos espaços de tempo. O armazenamento de dados e os mecanismos de busca permitem aos recrutadores acesso a informações pessoais às quais dificilmente teriam acesso no passado. Por sua vez, a diversidade de meios de comunicação facilita a troca de informações entre candidatos.

Não há imposição legal para que a empresa informe aos participantes de um processo seletivo o rol de candidatos recrutados, tampouco os critérios em que se basearam eventuais reprovações. Por falta de informação quanto a esses aspectos, litígios envolvendo fatos anteriores à contratação eram escassos e, em sua maioria, tratavam da possibilidade de se exigir ou não determinados documentos.

Os avanços tecnológicos não apenas aumentaram a rejeição de candidatos com base em informações subjetivas, acessadas por meio da internet, como também facilitaram a constatação, pelos trabalhadores, de abusos cometidos na fase de recrutamento. Consequentemente, hoje são mais frequentes ações trabalhistas em que se busca reparação por danos pré-contratuais.

De acordo com o artigo 422 do Código Civil, o princípio da boa-fé objetiva não se limita ao âmbito da execução contratual, devendo os deveres de lealdade e lisura ser também observados antes das negociações e após a rescisão do contrato. A responsabilidade civil pré-contratual baseia-se na confiança negocial que deve sempre reger as relações entre as partes.

O empregador é o responsável pela condução da atividade econômica e, como tal, cabe a ele selecionar aqueles que lhe prestarão serviços. Essa prerrogativa deve ser exercida com observância à função social do contrato de trabalho e aos direitos individuais do trabalhador que, caso lesado, fará jus à correspondente reparação.

O processo de recrutamento visa a identificar os profissionais mais qualificados para desempenhar determinadas funções e aqueles que mais se adequam ao perfil da empresa. A seleção com base em critérios que se afastem dessas premissas pode ser tida por arbitrária e discriminatória.

Nesse ponto, embora a lei não vede a consulta de informações pessoais de candidatos em bancos de dados públicos, tais como redes sociais e sítios da internet, nota-se tendência dos tribunais em ver como ato ilícito a recusa de contratação com base em fatores tendenciosos e desprovidos de ligação com as atividades a serem desempenhadas (convicções políticas e filosóficas, por exemplo).

Diante da dificuldade do trabalhador em comprovar ilicitudes cometidas antes da contratação, tem-se invertido o ônus da prova quanto ao fato constitutivo do direito de reparação: é o empregador quem deve comprovar que o processo de recrutamento foi conduzido nos moldes legais, e não o contrário.

Nesse contexto, a condução de processo seletivo de forma transparente, com critérios claros e bem definidos, evita questionamentos, demonstra o cumprimento da lei em eventual ação judicial e valoriza a imagem da empresa no mercado de trabalho, contribuindo para a retenção dos melhores profissionais.

O teletrabalho e o novo conceito de subordinação

A inovação tecnológica ampliou os limites do ambiente de trabalho e permitiu o surgimento de novas formas de prestação de serviços que se distanciam cada vez mais da relação de emprego clássica, em que as atividades são realizadas no estabelecimento físico do empregador e sob sua constante visualização.

Dentre as formas alternativas de prestação de serviços emerge o denominado teletrabalho, realizado pelo trabalhador em seu domicílio ou em quaisquer outros locais que não o estabelecimento patronal, mediante contato com o empregador por meios telemáticos ou informatizados.

Sem a necessidade de comparecer diariamente ao estabelecimento do empregador, aquele que trabalha remotamente economiza tempo e custos com deslocamento e tem mais flexibilidade para controlar sua agenda de trabalho. Em contrapartida, o empregador tem a possibilidade de reduzir suas instalações físicas e despesas operacionais.

Diante dessa nova realidade, a lei hoje equipara os meios telemáticos e informatizados aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho para fins de subordinação jurídica.

A alteração legislativa positivou entendimento já consolidado na doutrina e jurisprudência no sentido de que o trabalho à distância não constitui óbice ao vínculo de emprego, tendo adequado o ordenamento jurídico às modernas feições do mercado produtivo.

Nasceu paralelamente o conceito de subordinação independente do recebimento de ordens diretas. Sob essa perspectiva, trabalhadores que não estejam pessoalmente submetidos a fiscalização podem ser considerados empregados caso a prestação de serviços esteja inserida na dinâmica de seu tomador ou o resultado de seu trabalho seja controlado qualitativa e quantitativamente pela empresa, em especial quando dela dependerem economicamente.

A possibilidade de reconhecimento de vínculo de emprego nas novas modalidades de prestação de serviços, como o teletrabalho, confere aos trabalhadores nessa situação maior proteção jurídica, bem como o direito a verbas de natureza trabalhista às quais no passado jamais teriam acesso.

Controle de jornada e o direito à desconexão

De acordo com o artigo 62, I, da CLT, não estão submetidos a controle de jornada de trabalho os empregados que exercem atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho.

A razão da exclusão era a inviabilidade de fiscalização das respectivas cargas horárias no momento em que a norma foi editada.

O progresso tecnológico propiciou o surgimento de modernos sistemas de monitoramento do trabalho realizado à distância que permitem ao empregador não apenas fiscalizar a jornada de trabalhadores externos como também os locais visitados e resultados produzidos. Assim, não persiste incompatibilidade entre o direito a horas extras e o teletrabalho ou qualquer outra forma de trabalho externo.

Nesse diapasão, e considerando que a limitação de trabalho visa à preservação da saúde e higidez física e mental do trabalhador, a exceção de que trata o artigo 62, I, da CLT não mais se justifica senão para relações de emprego em que, dadas as peculiaridades da contratação ou da atividade desenvolvida, a fiscalização efetivamente não seja possível.

O desenvolvimento dos sistemas de comunicação também impactou no tratamento do regime de sobreaviso. O Tribunal Superior do Trabalho (TST), a partir de recente alteração legislativa, reformulou o entendimento consolidado na Súmula 428, no sentido de que só seriam considerados em sobreaviso os trabalhadores tolhidos em sua liberdade de locomoção.

Como o controle patronal pode ser realizado remotamente, por meio de modernos aparelhos de telefone celular e programas de comunicação instantânea, hoje se considera em sobreaviso, independentemente de onde esteja, o empregado que permanecer em regime de plantão ou equivalente, aguardando chamado para o serviço durante período de descanso.

Por fim, ao mesmo tempo em que o avanço da tecnologia trouxe inúmeros benefícios, tendo transformado os hábitos sociais, a facilidade de comunicação diminuiu consideravelmente a fronteira entre a vida privada e profissional do trabalhador, comprometendo o direito de se desligar das atividades laborais.

O chamado direito à desconexão do trabalho, intimamente ligado à dignidade da pessoa humana e aos direitos fundamentais ao descanso e lazer, visa a preservar a saúde do trabalhador e reduzir os riscos inerentes ao trabalho. Em termos práticos, traduz-se no imperativo de que o trabalhador não incorra em horas extras excessivas, mesmo que remuneradas, bem como que goze de férias sem a imposição de acompanhamento virtual do trabalho. Regras que, violadas, podem dar direito a indenização por tolhimento do direito à desconexão, sem prejuízo dos demais direitos legalmente assegurados.

Monitoramento de comunicações eletrônicas

A Constituição Federal elencou a inviolabilidade do sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas e de dados entre os direitos fundamentais. Consagrou, também, os direitos à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

Por outro lado, a legislação trabalhista e a jurisprudência reconhecem a existência do chamado poder de direção do empregador, desdobramento do direito de propriedade que confere à empresa a prerrogativa de fiscalizar a execução do trabalho de seus empregados, exigir o cumprimento de ordens e impor sanções disciplinares àqueles que violarem as determinações que lhes forem impostas.

Diante do aparente conflito entre direitos igualmente pautados em dispositivos constitucionais, muito se discute sobre a possibilidade de o empregador monitorar as comunicações eletrônicas de seus empregados.

De acordo com o Código Civil, o empregador responde, independentemente de dolo ou culpa, pelos atos praticados por seus empregados no exercício do trabalho. O e-mail corporativo é ferramenta de trabalho e como tal se vincula à figura do empregador, de modo que eventuais ilícitos cometidos mediante sua utilização serão a ele atribuídos.

Dessa forma, a fiscalização da correspondência eletrônica e dos equipamentos disponibilizados para o exercício das atividades profissionais não apenas pode como deve ser realizado.

A fim de que não se crie expectativa de privacidade no empregado, e de modo a evitar eventuais alegações de quebra do sigilo de correspondência e violação a direitos da personalidade, deve o empregador informar aos trabalhadores, prévia e expressamente, que suas comunicações estarão sujeitas a monitoramento.

O direito de fiscalizar e eventualmente punir seus empregados pelo mau uso do meio ambiente virtual de trabalho, porém, não é ilimitado. O rastreamento e acesso ao conteúdo de mensagens enviadas e recebidas em e-mail particular do trabalhador, ainda que em computador pertencente à empresa, viola direitos fundamentais não apenas do trabalhador como do terceiro com quem este se comunicou.

Questão correlata é a da possibilidade de sanções disciplinares para comunicações pessoais feitas por meio de equipamentos da empresa. Não há impedimento para que os trabalhadores utilizem, moderadamente, as ferramentas de trabalho para fins pessoais que não prejudiquem o desempenho de suas atividades.

Caso o empregador tenha vedado essa prática, aqueles que utilizarem os equipamentos para finalidades alheias à prestação de serviços, dentro ou fora do expediente, estarão sujeitos a penalidades por ato de insubordinação ou indisciplina, dependendo da natureza do comando.

Conclusão

O Direito do Trabalho não muda o desenvolvimento da tecnologia. Adapta-se, porém, já que os conflitos oriundos das relações laborais não podem ser dirimidos com base em critérios ultrapassados e obsoletos. Suas normas e princípios devem ser interpretados conforme o contexto histórico em que se inserem, sob pena de violação de direitos fundamentais que levaram anos para serem conquistados.

Previously published in Jota - November 2015

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