Tribunal destaca a responsabilidade dos investidores e os riscos de revisões contratuais que favorecem controladores em detrimento dos minoritários
A 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) emitiu, por maioria, uma decisão importante nos autos da Apelação Cível nº 1122550-73.2020.8.26.0100, publicada no dia 8 de agosto. O tribunal trouxe esclarecimentos significativos sobre o que pode caracterizar abuso do poder de controle.
No caso, acionistas minoritários de uma empresa do setor energético entraram com uma ação indenizatória contra a acionista controladora, alegando a existência de um esquema fraudulento de arrendamento que favorecia a controladora e outros acionistas concessionários.
O modelo de negócios da companhia, que envolvia contratos de arrendamento de sua usina com alguns de seus acionistas sob uma concessão compartilhada em consórcio, destinando apenas 1% da energia gerada à própria empresa, já estava em vigor antes da entrada dos acionistas minoritários. Esse formato de operação e gestão do negócio era claramente comunicado nos relatórios enviados à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e ao mercado, além de estar detalhado nas demonstrações financeiras da companhia.
O tribunal ressaltou que os acionistas minoritários, classificados como investidores qualificados, não poderiam alegar desconhecimento do modelo de negócios, uma vez que era responsabilidade deles se informar sobre o funcionamento da empresa antes de se tornarem sócios.
No entanto, a inclusão de aditivos aos contratos de arrendamento após a entrada dos acionistas minoritários levantou uma nova discussão. Esses aditivos alteraram as condições de remuneração da companhia e realocaram os custos operacionais de maneira desfavorável, impactando negativamente os resultados da empresa e os lucros dos acionistas minoritários, enquanto beneficiavam a acionista controladora e outros acionistas concessionários.
O TJ-SP entendeu que esses atos poderiam configurar abuso do poder de controle, conforme previsto nas alíneas “a” e “f” do artigo 117 da Lei das Sociedades por Ações (Lei 6.404/76), por impor condições prejudiciais à companhia em benefício da controladora.
O funcionamento adequado de uma companhia pressupõe que os acionistas controladores exerçam seu poder de maneira responsável, respeitando os direitos dos acionistas minoritários e evitando práticas que possam configurar abuso de poder de controle. No entanto, como o poder de controle é uma realidade fática e tanto sua verificação quanto o abuso dependem das circunstâncias específicas, surgem complexidades que só podem ser avaliadas com base nos detalhes de cada caso, como foi feito pelo tribunal.
Neste contexto, inicialmente destaca-se a necessidade de se conduzir uma análise dos aspectos jurídicos, operacionais e financeiros da empresa-alvo antes da aquisição da participação acionária, avaliando de forma adequada ao menos os dados disponíveis publicamente.
Na decisão, o TJ-SP sinalizou que tende a afastar alegações de abuso de poder de controle que se baseiem no desconhecimento de fatos essenciais da operação por acionista que possui perfil sofisticado e que despendeu valor substancial na compra de sua participação; tal acionista, segundo o tribunal, deve suportar as consequências de sua “desídia e incúria” se não realizou a “análise adequada da estrutura de negócios”.
Já a respeito dos contratos com partes relacionadas, que costumam suscitar discussões de conflito de interesses, sabe-se que devem ser formalizados em condições equitativas de mercado, assegurando que todas as partes envolvidas estejam protegidas e que a integridade da administração da companhia seja preservada. A decisão demonstra que a caracterização, em dado momento, da regularidade de tais contratos não implica a continuidade da mesma regularidade no futuro, posto que fatos novos podem fazer com que uma relação contratual que não era originariamente considerada abusiva possa sê-la posteriormente.
De fato, a revisão das bases financeiras de um negócio entre controladora e controlada por meio de aditivos contratuais pode levantar questionamentos se resultar em prejuízos para a controlada. No entanto, para ilustrar a complexidade do caso, houve um voto divergente que considerou não haver conflito de interesses nem abuso, argumentando que os aditamentos eram previsíveis e esperados dentro do contexto regulatório do setor de energia.
Como se pode observar, contratos entre partes relacionadas, especialmente entre controladora e controlada, envolvem nuances que exigem atenção cuidadosa, tanto na sua formalização quanto em eventuais aditivos futuros. Para os investidores, é crucial que conheçam o modelo de negócios e o contexto desses contratos antes de ingressarem na sociedade, sob pena de não poderem contestar posteriormente eventuais práticas abusivas. A observância dessas práticas é essencial para evitar litígios e manter a confiança entre as partes envolvidas.
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