Mudanças legislativas e regulatórias são necessárias para ambiente mais favorável de negócios.

O papel da inovação e do empreendedorismo tem forte apelo positivo na economia. Joseph Schumpeter, um dos economistas mais importantes do século XX, considerava a inovação um instrumento fundamental para o crescimento econômico, chegando a afirmar que o empreendedorismo individual era a chave do crescimento em qualquer cenário.

Nos últimos anos, a cultura do empreendedorismo tem crescido a passos largos no Brasil, sobretudo em relação a negócios e empresas cujos produtos ou serviços oferecidos têm características tecnológicas – as chamadas start-ups de tecnologia. Em quatro anos, por exemplo, a Associação Brasileira de Startups (ABStartups) viu o número de associados subir de 2.519, em 2012, para 4.273, em 20161.

Não somente o mercado se expandiu, mas o "ecossistema" no qual o empreendedor individual está inserido passou a ganhar mais atenção a cada dia: centros e parques tecnológicos, incubadoras, aceleradoras, espaços de co-working e fundos de investimento fazem hoje parte do imaginário e da vida de todo empreendedor, sem falar de velhos conhecidos, como sócios, empregados, prestadores de serviço e financiadores "tradicionais".

Embora tenham importância inegável para o desenvolvimento de novos negócios, as relações entre os empreendedores e esses agentes, se não forem bem organizadas, podem trazer problemas para ambas as partes, sobretudo quando se trata da relação com investidores. O uso de estruturas jurídicas inadequadas à situação pode determinar perda de rentabilidade futura tanto para fundadores como para investidores e outros stakeholders e, no limite, até mesmo o fracasso do empreendimento.

A modelagem contratual da relação entre investidores e start-ups geralmente gira em torno de contratos de empréstimo conversível em participação societária e opções de compra de quotas e/ou de ações. Porém, outras estruturas pouco exploradas, como as sociedades em conta de participação, podem e devem ser consideradas como alternativas para acomodar os interesses dos investidores, com eficiência tributária e diferentes riscos.

Além da relação entre sócios fundadores e financiadores, formas contratuais utilizadas nos vínculos formados com empregados, aceleradoras, incubadoras e advisors são de extrema importância no estágio inicial de qualquer negócio.

Cada uma dessas relações exige cuidados específicos, e arranjos contratuais e institucionais bem pensados podem gerar benefícios a todos, se desenhados para possibilitar a retribuição desses stakeholders por meio de instrumentos de participação societária que, a um só tempo, (i) não os envolvam no risco inicial do negócio, (ii) confiram segurança às partes quanto aos riscos do negócio, (iii) permitam tratamento tributário mais favorável do que aquele incidente sobre a remuneração propriamente dita, e (iv) não gerem desincentivos a potenciais investidores futuros.

As soluções podem variar de acordo com o tipo societário escolhido pela sociedade. Em uma sociedade limitada, por exemplo, a lei oferece limitações à instituição e operacionalização de planos de stock option, o que faz com que seja necessária a formalização de outros arranjos contratuais para atingir o objetivo desejado.

Já em uma sociedade anônima2, a retribuição desses stakeholders pode assumir a forma de um plano de outorga de compra de ações tradicional (companhia de capital autorizado) ou, para o mesmo efeito, de outros instrumentos, tais como bônus de subscrição ou opções de compra de ações exercíveis apenas contra os acionistas fundadores.

O emprego dessas formas alternativas de compensação requer atenção na hora do planejamento para evitar consequências tributárias adversas. O empreendedor deve ter em conta a inadequação dessas espécies de retribuição em determinadas circunstâncias.

Essas formas de compensação são coerentes com o propósito de remunerar os stakeholders pela contribuição para geração de valor do negócio aferível a médio e longo prazo, em determinadas circunstâncias. Mas seu emprego inadequado pode ser fator determinante para a aplicação de tratamento tributário menos favorável no que diz respeito ao imposto de renda e à contribuição previdenciária. Necessário ter claras e bem definidas as hipóteses de concessão de vantagens e suas contrapartidas.

As dificuldades, em grande parte, são fruto de descompasso entre a legislação e as expectativas dos empreendedores em um cenário de complexidade social crescente. Tomemos como exemplo o tratamento jurídico aplicável atualmente às sociedades limitadas e às sociedades anônimas. Em certos aspectos, a sociedade limitada apresenta menor flexibilidade em comparação à sociedade anônima, quando deveria permitir maior autonomia aos sócios e refletir simplicidade e flexibilidade em sua estrutura.

Muitas vezes, os custos de manutenção de uma sociedade anônima, somados com desvantagens de natureza tributária, fazem com que essa não seja uma opção economicamente viável para o ciclo inicial de uma sociedade. A regulamentação mais rígida imposta às sociedades limitadas, por outro lado, acaba fazendo com que empresas emergentes não possam fornecer ao ecossistema em que estão inseridas alternativas mais estáveis e seguras de retribuição a que as empresas mais robustas, paradoxalmente, têm acesso.

Medidas simples poderiam ajudar a reduzir a distorção entre os tipos societários. Eliminar restrições à criação de quotas sem valor nominal em sociedades limitadas traria maior flexibilidade à estrutura de capital, permitindo que aportes de mesmo valor correspondam a participações societárias diferentes, ou ainda que aportes de valor diferente possam corresponder a participações societárias iguais.

Outra inovação significativa seria permitir a adoção de capital autorizado por sociedades limitadas e prever mecanismo de outorga, pela própria sociedade, de opção de compra de quotas aos seus administradores, empregados ou prestadores de serviços, mecanismos hoje instituídos apenas para sociedades anônimas.

Robert Cooter e Häns-Bernd Schäfer, em Solomon's Knot: How Law Can End The Poverty of Nations, publicado em 2012 pela Princeton University Press3, defendem a ideia de que instituições jurídicas fortes, em especial o direito de propriedade, o direito dos contratos e o direito empresarial, são cruciais para o desenvolvimento da inovação e do empreendedorismo, e apontam como causa da ausência de crescimento sustentável nos países em desenvolvimento justamente a falha em tornar facilmente exequíveis os direitos de propriedade.

O Brasil ocupa hoje a 123a posição (de um total de 190 países) no ranking de burocracia divulgado pelo Banco Mundial4. O emaranhado de normas aplicáveis (muitas delas ironicamente criadas para "facilitar a vida" do empreendedor), que incluem uma infinidade de normas jurídicas emitidas por dezenas de órgãos públicos, exige conhecimento jurídico robusto e muita paciência do empreendedor.

Fomentar um ambiente mais favorável de negócios no Brasil passa, portanto, pela consolidação do uso adequado de arranjos contratuais já existentes, mas também pela adoção de formulações jurídicas mais simples e de um arranjo institucional mais amigável, com pequenas, mas significativas, mudanças legislativas e regulatórias.

Footnotes

[1] https://br.reuters.com/article/businessNews/idBRKBN1CI1NL-OBRBS

[2] Que traz a óbvia desvantagem de impedir a opção pelo Simples Nacional, na forma do art. 3o, parágrafo 4o, inciso X, da Lei do Simples Nacional.

[3] Há uma recente tradução para o português sob o título "O Nó de Salomão: Como o Direito pode erradicar a pobreza das Nações", publicada pela Editora CRV.

[4] Disponível em https://data.worldbank.org/indicator/IC.BUS.EASE.XQ?locations=BR. Acesso em 17 out. 2017.

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