Mercado de Capitais  

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) editou, em 01 de agosto de 2018, a Instrução CVM nº 600/2018, que dispõe sobre o regime dos Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA) objeto de oferta pública.

Esse novo marco regulatório era aguardado há muito tempo em função da relevância do agronegócio para o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro e da escassez de fontes de financiamento para o agronegócio. É extremamente meritória a iniciativa da CVM de fomentar cada vez mais a utilização do mercado de capitais para financiar a cadeia do agronegócio, sendo que o CRA é o grande vetor de viabilização de captação de recursos junto ao público investidor.

Dentre os avanços da Instrução CVM nº 600/2018, destacamos:

(a) a possibilidade de o produtor rural emitir títulos de dívida para fins de composição de lastro de CRA;

(b) a possibilidade de os direitos creditórios originados de negócios realizados entre distribuidores e terceiros serem vinculados, por meio de contratos ou de títulos de crédito, às vendas do distribuidor aos produtores rurais, como lastro de CRA. Apesar de ser um avanço a possibilidade de utilização dos direitos creditórios originados por distribuidores, causa preocupação a obrigação de comprovação prévia desses direitos creditórios, uma vez que a dinâmica do campo é a formalização dos negócios ao longo do tempo, e não com antecedência;

(c) a possibilidade de emissão de títulos de dívida por terceiros como lastro de CRA, desde que fique comprovada a vinculação da destinação dos recursos captados para o produtor rural;

(d) a possibilidade de as companhias securitizadoras realizarem ofertas públicas sem a contratação de instituições intermediárias até o valor de R$ 100 milhões, desde que possuam estrutura interna compatível para distribuição de valores mobiliários;

(e) a exclusão da obrigação das companhias securitizadoras de aportarem recursos próprios nos casos de insuficiência dos respectivos patrimônios separados;

(f) a possibilidade de revolvência do lastro do CRA; e

(g) a possibilidade de as companhias securitizadoras subscreverem no primário os direitos creditórios do agronegócio, sem a necessidade de uma cessão de crédito.

Por outro lado, apesar dos avanços listados acima, destacamos abaixo alguns pontos de preocupação que podem limitar o crescimento do número de ofertas de CRA, a saber:

(a) a definição de “comercialização” trazida pela nova norma deixou de fora os insumos, máquinas e implementos agrícolas. Não faz sentido a Lei nº 11.076/2004 permitir que tais insumos, máquinas e implementos possam ser utilizados como lastro do CRA, e a Instrução CVM nº 600/2018 não os incluir no conceito de comercialização;

(b) o conceito de produto agropecuário in natura restringe as exceções de beneficiamento e industrialização rudimentar aos casos em que o próprio produtor rural desenvolve tais atividades. Contudo, é comum que um terceiro realize tais atividades no campo. Por exemplo, é muito usual uma usina moer cana-de-açúcar própria ou de terceiro. Assim, não faz sentido excluir da definição de produto agropecuário a cana-de-açúcar adquirida de produtor rural que não seja a própria usina;

(c) o conceito de direitos creditórios do agronegócio inclui os títulos de dívida originados por terceiro. Por outro lado, não inclui os direitos creditórios originados por terceiros, o que não faz sentido tendo em vista as práticas do dia a dia do campo;

(d) a falta de definição de “produtor rural”. Apesar de a CVM entender que a definição trazida pela Secretaria da Receita Federal em ato infralegal seria suficiente, ressaltamos que tal definição é extremamente lacônica e não reflete adequadamente todos os parâmetros da cadeia do agronegócio. Ademais, tal definição não tem amparo em lei, o que pode gerar uma insegurança jurídica;

(e) a vedação (exceto nos casos de ofertas dispensadas de registro na CVM) de utilização como lastro de CRA dos instrumentos com liquidação física, o que está totalmente desalinhado com a realidade do campo. Inúmeros negócios no campo são realizados por meio de instrumentos de liquidação física, como, por exemplo, as Cédulas de Produtos Rurais (CPRs);

(f) a cessão dos direitos creditórios (exceto nas ofertas para investidores qualificados e profissionais) com retenção substancial do risco pelo cedente ou terceiro. Essa exigência não é verificada em outros instrumentos de securitização, como, por exemplo, os fundos de investimento em direitos creditórios (FIDC), o que pode gerar uma arbitragem regulatória, desestimulando algumas ofertas de CRA, tendo em vista as peculiaridades específicas do caso; e

(g) a vedação de utilização de crédito não performado (exceto nas ofertas para investidores qualificados e profissionais) como lastro de CRA, o que pode ser um limitador em alguns casos, sendo que a Lei nº 11.076/2004 não veda tais créditos como lastro de CRA.   

Por fim, ressaltamos que tal regulamentação entrará em vigor a partir do dia 31 de outubro de 2018.

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