A atual crise econômica brasileira resultou em aumento expressivo do número de empresas que buscam acordos amigáveis com seus credores para renegociar dívidas financeiras, sem recorrer à recuperação judicial ou extrajudicial nos termos da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Muitas vezes, a renegociação tem por objeto dívidas representadas por títulos e valores mobiliários admitidos à negociação no mercado de capitais, como as debêntures. A renegociação desses papéis envolve questões e cuidados específicos, alguns dos quais são discutidos a seguir. 

Um primeiro ponto de atenção diz respeito à publicidade da proposta e das negociações para alteração dos termos e condições das debêntures. A renegociação e a alteração das condições podem representar "atos ou fatos potencialmente relevantes", capazes de impactar a cotação dos papéis ou a decisão dos investidores de vendê-los ou de exercer garantias, e como tal sujeitos a divulgação nos termos da Instrução nº 358, de 3 de janeiro de 2002, da Comissão de Valores Mobiliários ("CVM"). Em virtude do disposto no artigo 17, inciso VI da Instrução nº 476, de 16 de janeiro de 2009, da CVM ("ICVM 476"), essa regra é aplicável também às debêntures distribuídas com esforços restritos de colocação e concentradas em poucos investidores institucionais, mesmo se estes já estiverem diretamente envolvidos no processo de renegociação. Nestes casos, e desde que a emissora não tenha outros papéis admitidos a negociação junto ao público mais amplo, a publicidade dá-se mediante divulgação na página eletrônica da emissora e comunicação ao intermediário líder da oferta, conforme o caso. 

Uma dificuldade comum nas renegociações de debêntures é a coordenação entre os credores. Quando se trata de debêntures com titularidade pulverizada, detidas por grande número de investidores, na prática a emissora não tem interlocutores com que negociar, e o processo se reduz à propositura de novos termos e condições pela emissora e sua aceitação ou não pelos debenturistas reunidos em assembleia convocada com esse fim. Os quóruns para aceitação da renegociação ou para não declaração de vencimento antecipado pelo descumprimento das condições originais são em geral bastante altos, sendo comuns percentuais de 75% ou mais das debêntures em circulação (e não somente dos presentes em assembleia), o que pode inviabilizar a proposta. A renegociação tende a ser mais bem-sucedida quando as debêntures estão em poder de um número restrito de investidores, que podem mesmo tomar a iniciativa de estruturar os novos termos e condições e negociá-los ativamente com a emissora. 

Muitas vezes, o processo de renegociação tem início quando é já iminente o descumprimento, pela emissora, de obrigações originalmente assumidas na escritura de emissão de debêntures. Nestes casos, a renegociação pode desdobrar-se em duas fases: na primeira, os debenturistas aprovam em assembleia os principais termos e condições da renegociação e concordam em não exercer os direitos de cobrar a dívida e executar as garantias por um certo período. Pode-se também incluir na assembleia deliberação sobre a renúncia temporária à declaração de vencimento antecipado, de modo a evitar a sinalização de inadimplência no sistema em que a debênture é negociada e o "cross-default", ou seja, o vencimento antecipado de outras dívidas da emissora em razão do inadimplemento ou vencimento antecipado das debêntures. Na segunda fase, a escritura de emissão das debêntures e os instrumentos de garantia são assinados e registrados. As deliberações da assembleia e os instrumentos jurídicos de formalização da renegociação são estruturados de forma que, caso estes últimos não sejam formalizados em prazo adequado, as debêntures são antecipadamente vencidas. 

Quanto ao seu escopo, as renegociações de debêntures podem envolver, entre outros pontos, prorrogação de prazo; alteração de taxas; inclusão, exclusão ou alteração de obrigações não-pecuniárias ("covenants"); constituição de garantias; e previsão de pagamentos extraordinários contingentes à disponibilidade de caixa adicional, em razão de venda de ativos ou outros eventos de liquidez ("cash sweep"). Diferentemente do que ocorre na recuperação judicial e extrajudicial, no entanto, a renegociação não costuma envolver redução do valor originalmente devido ("haircut")

Embora a ausência de "haircut" seja aparentemente negativa para a emissora, o reverso da moeda é que a renegociação bem-sucedida pode ser atingida em prazo mais curto e com impacto mínimo sobre as operações da emissora, sua administração e seu acesso ao crédito, preservando o valor para seus sócios, credores e colaboradores.

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