A proposta de encampação da concessão do serviço público de distribuição de energia elétrica da Enel, em Goiás, foi criticada por especialistas em direito da área. O principal argumento levantado baseia-se na impossibilidade jurídica do processo ser levado adiante.

O governador do estado, Ronaldo Caiado, está em pé de guerra com a empresa italiana de energia, que tem prestado um serviço com a qualidade abaixo dos padrões determinados pela ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica). Na última segunda-feira (18), a companhia recebeu uma multa de R$ 62 milhões dos órgãos reguladores.

Nesta terça-feira (19), um projeto de lei propondo a encampação da Enel foi apresentado à Assembleia Legislativa de Goiás. Mas juristas disseram à Agência iNFRA  que o pedido não tem prerrogativa jurídica para seguir adiante.

De acordo com o presidente da Comissão Nacional de Energia da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Gustavo De Marchi, a falta de fundamento jurídico se baseia no fato de que o estado de Goiás não é dono da concessão de energia, mas sim a União. Isso impossibilita o pedido encampação.

"Não vejo embasamento jurídico para encampação da Enel como eles estão dizendo, a partir do estado federativo. Trata-se de um serviço público da União e, por causa disso, o estado  federativo não pode embaraçar a União e vice-versa. Isso não tem base constitucional."

A fala de De Marchi é corroborada pelo sócio da área de energia do escritório Veirano Advogados, Tiago Figueiró. Ele apontou que, até o momento, não estão constatadas irregularidades que apoiem a encampação da Enel.

"Não consigo entender como o interesse público [governo de Goiás] conseguirá encampar a companhia. Esse processo só se justifica se ficar claramente definido que a empresa não está prestando o serviço para o qual ela foi contratada, e não parece ser o que está acontecendo."

Ainda de acordo com Figueiró, a ANEEL possui atribuições e competências suficientes para gerir – e eventualmente punir – o contrato de concessão. "A agência tem vários mecanismos para regulamentar a concessão e não há motivos para tentar um processo para encampar a Enel", explicou.

Já o sócio de regulatório do NHMF Advogados, Renato Poltroni, apontou que uma proposta de encampação pode gerar problemas de relacionamento entre o estado de Goiás e a União.

"A concessão é da União. Então o estado somente poderá pedir uma recomendação. O estado até poderia pedir encampação argumentando que a União não está aplicando a devida fiscalização da concessão. Mas isso iria colocar uma briga entre estado e União, o que seria ainda pior e também não resolveria o problema."

Caducidade

Poltroni explica ainda que uma possível saída jurídica para o governo seria por meio do processo de caducidade, pelo qual a União tira a titularidade da concessão. Porém até isso deverá seguir um processo legal que demanda tempo e é definido pela ANEEL e pelo Ministério de Minas e Energia.

"A solução para esse problema poderia vir por meio da caducidade. E como poderia ser feito? Aplicar rigorosamente o contrato para que, caso não haja os cumprimentos de metas contratuais, a agência entre com o pedido de caducidade para União. Mesmo assim, isso demanda tempo e custos a serem pagos à empresa. Também seria definido pela agência e pelo ministério."

Já Figueiró vai além e aponta que, mesmo que um processo que leve a um eventual pedido de caducidade por parte da ANEEL, a concessionária poderia buscar um novo investidor e, com a autorização da agência, vender a concessão.

"Mesmo depois de exaurir todo o processo legal de aplicação de multa e punições à concessionária, a Enel pode apresentar um novo investidor e, com a autorização da ANEEL, vender a concessão."

Pepitone: "Medidas cabíveis"

O diretor-geral da ANEEL, André Pepitone, também falou sobre a possível proposta de encampação da Enel e afirmou que a agência vem tomando as medidas cabíveis no processo.

"A gente está acompanhando. Tivemos conversas com o governador Caiado. Dentro das medidas do contrato de concessão, a agência está atuando. Temos, no momento, uma multa aplicada em função de uma fiscalização que aconteceu em junho de indicadores comerciais que culminou nessa penalidade."

Pepitone afirmou ainda que a ANEEL está supervisionando se as determinações contratuais da concessão estão sendo seguidas. "Na sequência, nós realizamos uma fiscalização de questões técnicas. Esse processo ainda está em instrução e em breve será levado a cabo. Dentro do aparato dos termos do contrato de concessão, a agência está atuando", finalizou.

The content of this article is intended to provide a general guide to the subject matter. Specialist advice should be sought about your specific circumstances.