Sócio da área trabalhista do Veirano AdvogadosLuiz Afrânio Araújo  é advogado empresarial. Isso quer dizer que, em disputas judiciais, seu lugar não é ao lado do empregado, mas do empregador. Mesmo assim, à luz de seu conhecimento das leis, Afrânio compartilha a surpresa com a inclusão de regras sobre pagamento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) na proposta de reforma da Previdência. Está previsto que, assim que as novas normas entrarem em vigor, o aposentado que continuar trabalhando perderá direito a receber 40% do saldo do FGTS a título de indenização e quem entrar no mercado de trabalho a partir da vigência da Nova Previdência não terá contribuição patronal no fundo caso siga na ativa depois de ter se credenciado para receber benefícios do INSS.

Bode ou jabuti?

"O que se discute no meio jurídico é que essas regras que entraram na proposta de reforma, de forma surpreendente para todos, têm propósito bem diferente das demais. Tratam de um direito que diz respeito ao empregado e ao empregador. Não vão aliviar o déficit da Previdência. Estamos tentando até agora a achar a explicação para essa inclusão. Talvez o governo tenha incluído para que entre em negociação no Congresso, o que seria um bode. Mas entre advogados, há consenso de que deve cair, por não ter nada a ver com o regime de Previdência Social, que caracteriza a figura do jabuti (expressão que designa inclusão, em uma proposta legislativa, de assunto não relacionado)."

A justificativa

"O que se disse, para justificar a inclusão, não faz sentido. Está certo que uma pessoa já aposentada recebe benefício previdenciário e, portanto, não estaria desamparada. Na visão do governo, não precisaria receber a multa dos 40%, que em tese serve para a pessoa se recolocar no mercado, sobreviver ao desligamento. A questão é que esse é um direito social previsto no ambiente constitucional. É devido pelo empregador a seu empregado. É mais uma desoneração de folha de pagamento do que alívio para os cofres públicos."

Emenda constitucional

"Apesar de as mudanças estarem apresentadas sob forma de uma proposta de emenda constituicional, o que significa que alteram a Constituição, não está descartada uma possível inconstitucionalidade. O Supremo Tribunal Federal (STF) será suscitado para se manifestar. Existem princípios básicos na Constituição que não podem ser alterados nem por PEC. Um desses é o da igualdade. Ao separar determinada classe de trabalhadores dos demais, poderia contrariar essa cláusula pétrea (disposições definidas em 1988, que não podem ser alteradas). Há discussão se uma PEC pode alterar direitos sociais, mesmo via emenda."

Judicialização

"Se essa alteração for aprovada, é possível que seja judicializada. Certamente vai chegar ao STF. Não imagino como não chegaria. Pode até ser aprovada, por questões políticas, com maioria no Congresso, mas há uma questão técnica e jurídica passível de discussão. Duvido que não chegue ao STF. Uma coisa foi a PEC das domésticas, que trouxe uma categoria de trabalhadores para dentro da proteção do FGTS, ou seja, corrigiu uma distorção histórica. Foi um movimento contrário ao que o governo agora está propondo. Seria retirar uma classe do fundo de garantia. É insegurança jurídica."

Balão de ensaio

"Essa mudança parece tão sem propósito que tem muita gente interpretando com um teste para a nova reforma trabalhista, para a introdução da carteira de trabalho verde e amarela. A teoria do teste parece válida, faz sentido. Teria de passar por crivo de constitucionalidade. Mas há muita resistência em aceitar como constitucional. Pode ser um desafio para avaliar o apetite do legislador em aprovar esse tipo de diferenciação. Sou advogado de empresas, sim, mas tenho uma preocupação com o país que é maior."

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