O recurso foi finalmente pautado para julgamento. A corrida de obstáculos havia durado meses e incluído audiências mais concorridas que ingressos do Rock in Rio, horas de "chá de cadeira" para pensar na vida e fazer "networking" com os colegas na antessala, distribuição de memoriais e pareceres que tinham boa chance de virar papel de rascunho antes mesmo de serem lidos.

Chegamos cedo. Como o recurso não comportava sustentação oral e estava em lista, pedimos preferência, destaque e nos preparamos para eventual intervenção. Após saudações longas e formais ao novo integrante do colegiado, algumas sustentações orais lidas da tribuna, debates intermináveis sobre o direito de voto do novo componente, nada de nosso caso ser apregoado. Quando a sala de sessões já estava se esvaziando, o caso foi chamado. Ouvimos apenas a voz do Presidente: "Agravo na Apelação um milhão cento e noventa e nove de 2001. A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso".

Esse foi o nosso caso? Como assim, a Turma por unanimidade negou provimento? Nenhuma discussão. Que sessão de julgamento foi essa? Eu queria ter tido ao menos cinco minutos para apontar uma questão de ordem da tribuna.

O caso é fictício, mas resume e espelha a experiência diária dos advogados nos tribunais, reflexo de rotinas criadas pelas cortes para julgar milhões de processos que lhe são submetidos — e que implicam grave ofensa à ampla defesa e às prerrogativas dos advogados.

I

Apesar de mais de 80% dos candidatos não obterem nota mínima nos exames da OAB, estudo repercutido por jornais do meio jurídico estima que o Brasil terá mais de cem mil escritórios de advocacia e mais de um milhão de advogados em 2018. O IBGE projeta a população do país em pouco menos de 210 milhões de habitantes em 2010; praticamente 0,5% da população brasileira será composta por advogados.

A saturação do mercado, associada à prática do "copia e cola" de teses, permite que advogados mal qualificados prestem serviços em praticamente qualquer ramo do Direito, com conhecimento precário do que discutem.

Os advogados públicos ou privados, assim como as partes, ainda carregam a mentalidade de recorrer sempre, na esperança de reverter resultados desfavoráveis mesmo quando a jurisprudência é absolutamente contrária ao que defendem. Os próprios tribunais estimulam esse comportamento quando reformam entendimentos jurisprudenciais pacíficos. Um Judiciário engessado não convém a ninguém, mas tampouco é razoável a revisão de posicionamentos sólidos a cada julgamento. Isso cria insegurança jurídica.

O volume de ações judiciais e processos administrativos é assustador. A legislação impõe limitações técnicas, processuais, para diminuir o número de ações, recursos e duração dos feitos, como os requisitos para admissibilidade dos recursos especial e extraordinário. Com frequência esses filtros tornam-se ainda mais rigorosos em razão da maneira como são aplicados pelos tribunais — é a chamada jurisprudência defensiva.

Referidas limitações não representam empecilho à advocacia; são exigências de precisão técnica e empenho intelectual por parte dos advogados, que, por sua vez, têm a obrigação legal, intelectual e moral de não patrocinar causas temerárias, nem interpor recursos meramente procrastinatórios.

Todavia, com frequência cada vez maior magistrados e autoridades públicas criam ainda outras limitações. Invocando o invencível volume de processos e a escassez de tempo, recusam-se a receber os advogados em seus gabinetes e salas. Além de expressamente vedada pela legislação (Estatuto da OAB, artigo 7º, VIII) e pelo próprio Conselho Nacional da Justiça (CNJ – v.g., no Pedido de Providências nº 1465), essa postura ofende os advogados e o direito de ampla defesa assegurado pela Constituição Federal.

A alegação de que receber os advogados comprometeria a execução dos trabalhos não convence e não procede. É exatamente o contrário. Conforme a Constituição e o Estatuto da OAB, os advogados prestam serviço púbico e são indispensáveis à Justiça. Quando batem à porta dos magistrados e autoridades, procuram facilitar a compreensão dos fatos e do direito, chamar atenção para pontos relevantes, enfim, auxiliar na tomada de decisões.

Curioso, de resto, o fato de alguns julgadores e autoridades manterem agenda acessível a advogados e conseguirem atingir metas elevadas de produtividade, enquanto outros fecham suas agendas e continuam acumulando processos em seus escaninhos e prateleiras físicas ou eletrônicas.

Os advogados precisam ser ouvidos, sempre. Os que se valerem dessa prerrogativa para desvios de conduta devem receber as sanções cabíveis.

II

Diversos órgãos do Judiciário vêm impondo outra importante limitação ao pleno exercício da advocacia e à ampla defesa: as inúmeras decisões monocráticas que são referendadas por julgamentos colegiados de recursos em listas, em blocos, sem qualquer debate ou oportunidade de defesa, como ilustrado no caso fictício no início deste texto.

Amparados nas alterações legislativas que ampliaram os poderes dos relatores de processos nos órgãos colegiados, muitos magistrados julgam recursos (agravos de instrumento, apelações, recursos especiais, recursos extraordinários, reclamações) por decisão singular. A agilidade e o menor formalismo na solução da demanda poderiam ser louváveis. Entretanto, é preciso admitir que essas decisões sejam equivocadas, caso em que são então objeto de agravos internos, legais ou regimentais, que, conforme o regime aplicável, não permitem aos advogados a realização de sustentação oral nas sessões de julgamento, o que seria possível se o recurso original fosse a julgamento no órgão colegiado. A defesa da parte resta prejudicada.

Não param aí as limitações. Em vários desses colegiados, os agravos não são pautados; são levados em mesa, nos termos dos regimentos dos tribunais. Em outros, são colocados em listas de processos (ou blocos, planilhas), que por vezes são publicadas nas páginas dos tribunais na internet minutos antes das sessões de julgamento, ou nem isso. Em muitas ocasiões os advogados não ficam sabendo que seus recursos serão, ou foram, julgados. Isso impede a simples distribuição de memoriais. Pior ainda a situação dos advogados que não residem na cidade em que ocorrem os julgamentos – como chegar a tempo?

Ao fim e ao cabo, esse procedimento impede a advocacia plena e fere o princípio da colegialidade, um dos pilares da segurança jurídica esperada do Judiciário, que tem por obrigação rever as decisões inaugurais por um conjunto de juízes.

Há quem sustente que, não sendo permitidas as sustentações orais nos agravos internos, legais e regimentais, não haveria oportunidade para o advogado intervir e, assim, desnecessário acompanhar o julgamento. Absurdo. Além de ser direito dos advogados e das partes acompanhar o julgamento de seus processos, os patronos podem usar a tribuna para apontar questões de ordem ou de fato, nos termos da lei, exercendo seu papel constitucional de auxiliar indispensável da Justiça.

III

Na atuação contra a Fazenda Pública, os advogados sofrem com a fixação desarrazoada de honorários sucumbenciais.

Com efeito, ao longo dos últimos anos, a jurisprudência nacional caminhou no sentido de ampliar o poder dos magistrados de arbitrar os honorários devidos ao vencedor da disputa. Reduções exageradas são vistas diariamente, em desrespeito aos advogados, que não raras vezes atuam durante 10 ou 15 anos em ações de vulto econômico-financeiro, para ao final ver seus honorários de êxito fixados em valores claramente desproporcionais ao trabalho e tempo investidos.

Enquanto isso, a simples inscrição em dívida ativa de créditos da Fazenda Nacional, por exemplo, gera em benefício daquele ente sucumbência automática de 10%, dobrada para 20% se houver propositura de execução judicial.

Quando a defesa do executado nessas execuções obtém êxito e com isso desconstitui judicialmente o título executivo, o advogado não recebe os mesmos 20%; sequer os 10%, sendo comum e rotineiro o arbitramento de honorários irrisórios, geralmente em valores fixos que não excedem cinco ou mesmo dois mil reais.

O legislador, atento a essa aberração, ao editar o novo Código de Processo Civil criou tabela regressiva com percentuais mínimos e máximos para fixação dos honorários devidos pela Fazenda Pública, reduzindo significativamente o subjetivismo autorizado pelo Código Processual de 1973.

Esperamos que a aplicação do novo dispositivo legal pelo Judiciário respeite o espírito com que foi criado, o que poderá ter o efeito adicional, bem-vindo, de dissuadir as Fazendas Públicas do ajuizamento de execuções fiscais descabidas.

IV

O invencível volume de ações judiciais e processos administrativos é fato. Alterações legislativas, ampliação dos quadros de magistrados e servidores públicos, novos procedimentos e rotinas são algumas das medidas levadas a efeito, mas não indicam solução eficaz no curto prazo, nem mesmo a redução expressiva dessa massa. Todos que atuam em contencioso devem colaborar para o aprimoramento dessa importante atividade. Contudo, a existência de milhões de ações e processos não pode justificar nem permitir que os direitos das partes e seus advogados sejam violados, como infelizmente vem acontecendo. Cabe ao Judiciário e à Administração Pública respeitar os advogados e suas prerrogativas; aos advogados e à OAB trabalhar com técnica, ética e firmeza.

Originally published by JOTA.

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