Recente decisão do colegiado da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) deve desencadear uma nova onda de emissões de Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs). A decisão, do último dia 30 de agosto, resolve importante questão referente às operações que podem servir de lastro para esses certificados, deixando claro que empresas de diversos segmentos podem captar recursos via emissão de CRAs.

A novidade provém do julgamento de um recurso administrativo em operação de emissão de CRA no valor de R$ 150 milhões, destinada a investidores qualificados, anunciada em abril passado. Os recursos captados com a emissão dos CRAs seriam utilizados para aquisição de debêntures emitidas pelo Burger King, que, por sua vez, comprometeu-se a destinar os recursos obtidos com a emissão das debêntures à compra de carne in natura dos fornecedores JBS e Seara.

A decisão da instância máxima da autarquia de aceitar esse tipo de lastro contrariou a avaliação da Superintendência de Registro de Valores Mobiliários (SER). Inicialmente, a SER rejeitou a emissão por entender que a emissão de CRA deve prover, em essência, o financiamento ao produtor rural — o que não seria o caso do Burger King.

Em sua manifestação de voto, o presidente da CVM, Leonardo Pereira, discordou da área técnica. Segundo ele, o lastro do CRA é mais abrangente, podendo ter origem em negócios realizados entre produtores rurais (ou cooperativas) e terceiros, desde que tenham relação com alguma das etapas da produção rural. Para assegurar o vínculo entre a emissão dos CRAs e a produção rural, o colegiado condicionou o registro da oferta a uma sistemática de comprovação de que os recursos captados serão utilizados pelo Burger King para pagar os contratos com fornecedores de carne in natura.

O advogado Marcos Vinicius Pulino, sócio do escritório Cascione, Pulino, Boulos & Santos (CPBS), afirma que a Lei 11.076 não exige que a emissão de CRA seja destinada ao financiamento de produtores rurais. "O lastro do CRA pode ser originário de diversos tipos de operações comerciais ou financeiras, relacionadas à atividade do agronegócio." O advogado destaca que a decisão cria um importante precedente porque, seguindo sua fundamentação, as emissões de CRAs poderiam ser utilizadas, por exemplo, para captação de recursos por redes de supermercados, cadeias de restaurantes, indústrias de bebidas e têxteis, dentre outros, que compram insumos do produtor rural, desde que se possa comprovar a vinculação entre os recursos obtidos com a emissão e o pagamento pela compra dos insumos.

Comparação com os CRIs

Na argumentação do voto, acompanhado pela maioria do colegiado, Pereira descartou a aplicação do precedente em que o colegiado indeferiu a emissão de Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs) pela Rede D'Or, em 2003, no valor de R$ 246,6 milhões. Os recursos captados seriam destinados à aquisição de terrenos e construção e ampliação de hospitais. A CVM indeferiu a operação porque o fluxo de recursos para pagamento dos CRIs proviria das atividades da rede hospitalar, e não dos imóveis adquiridos pela companhia. Segundo a decisão do colegiado da CVM naquele caso, a legislação que criou o CRI estabelece que os títulos precisam ter lastro em créditos imobiliários.

De acordo com o advogado Diego Gonçalves Coelho, associado do escritório CPBS, "a simples destinação dos recursos captados para financiamento da compra de um imóvel pode não ser suficiente para dar lastro a uma emissão de CRI". "Diferentemente do que acontece com os CRIs, os elementos que permitem delimitar o conceito do lastro dos CRAs não restringem o fluxo de pagamentos exclusivamente a operações que decorram da atividade rural", compara Coelho. "As normas aplicáveis ao CRAs conferem maior amplitude ao que pode ser lastro. A CVM levou em conta essa distinção entre as duas espécies de títulos, bem como as particularidades da operação do Burger King", completa o advogado.

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